Entre vinícolas e bodes, Sertão do São Francisco vira polo turístico
O Sertão nordestino é conhecido pela aridez, pelo sol, pela caatinga. Mas a região de Pernambuco por onde o Rio São Francisco passa, na divisa com a Bahia, é praticamente um oásis nesse cenário. Mais do que pela secura, a cidade de Petrolina e algumas vizinhas próximas, a cerca de 700 km do Recife, se destacam pela riqueza de seus sabores, seja das frutas para exportação, das comidas típicas ou dos vinhos, que vêm ganhando cada vez mais espaço nos últimos anos.
Com sete vinícolas na região do Vale do São Francisco, consolidou-se a Rota do Vinho, passeio turístico onde os visitantes podem conhecer os vinhos tropicais, que possuem um sabor especial, segundo seus produtores. Uma das paradas da rota é a vitivinícola Santa Maria, onde são fabricados os vinhos Rio Sol, em Lagoa Grande, a 40 minutos de Petrolina. Pelo caminho, a chamada Estrada de Vermelho (indo pela BR-428 e pegando a PE-574), barris da empresa indicam o caminho para a fazenda, onde o empresário português João Santos, responsável pela vinícola, recebe todo mundo pessoalmente.
O clima é familiar. No mesmo lugar em que o empresário atende clientes, três de seus quatro filhos brincam. “Filho, cachorro, o lugar é bem família mesmo. Essa é uma das nossas diferenças”, explica Santos. A casa da fazenda fica a poucos metros do São Francisco, o rio que torna possível a existência dos parreirais. “Diziam que era loucura produzir vinho no Alentejo, em Portugal. Hoje, de cada dois vinhos vendidos lá, um é do Alentejo”, compara.
A propriedade tem 200 hectares de vinhas plantadas, convivendo lado a lado com a caatinga, coqueirais e mangueiras. As árvores tropicais são mantidas para compor o clima da fazenda. “Nós temos um vinho diferente, um vinho tropical. E não existe enoturismo sem um bom vinho. As pessoas querem conhecer onde é produzido aquele vinho que provaram”, acredita.
Durante o passeio, os visitantes acompanham as ‘quatro estações da uva’ – o clima tropical viabiliza as diferentes fases da produção no mesmo lugar, desde o florescimento, onde se vê o começo dos cachos se formando, até provar as uvas que vão originar o vinho. “As uvas para vinho são sempre pequeninas assim”, explica Santos, ao mostrar as frutas amadurecendo. “Para você saber se estão maduras, basta abrir e olhar o caroço, ele tem de estar bem marrom”, diz, acrescentando que o líquido é bem claro e é a casca que dá cor ao vinho.
Além de Santos, um casal de enólogos que mora na pequena vila da fazenda também guia as visitas, que custam R$ 10 e precisam ser agendadas por telefone. A vinícola conta com diferentes tipos de castas (‘espécies’), a exemplo de Cabernet Sauvignon, Syrah e Alicante Bouschet. “Cada uma é um vinho diferente”, lembra Santos. Para ele, há grandes vantagens de se produzir no São Francisco. “Aqui não vem uma chuva para apodrecer as uvas. Temos uma produção de qualidade constante. Não é como alguns vinhos, em que você precisa saber o ano da safra”.
Mais do que aprender as diferenças entre as uvas, na visita também se veem as diferentes formas de cultivar a fruta. As latadas, fios de arame que parecem varais e por onde as parreiras sobem, são um bom modo de plantar uvas brancas. Para fazendas mecanizadas, a espaldeira, formada por sete fios de arame como uma cerca, é o ideal para a retirada das uvas. “Buscamos fazer a gestão de água, de qualidade das plantas, de recursos humanos, e ter a melhor forma de plantio”, conta o professor Rogério de Castro, da Universidade de Lisboa.
Castro é um dos responsáveis pela pesquisa dos tipos de uva mais adequados, desde o começo da Rio Sol, há oito anos. “Amigos meus de todo o mundo se surpreendem com esse espaço”, relembra. “Empresas de vinho não são empresas comuns. Elas precisam de mais investimento e de pelo menos 10 anos para se equilibrar”, explica Santos.
Depois dos parreirais, o passeio segue pela fábrica. Os reservatórios feitos em aço inoxidável têm de ser refrigerados, devido ao calor da região, e o formato varia de acordo com a bebida. Enquanto os de vinho têm o topo e o fundo retos, os de espumante precisam ser arredondados para aguentar a pressão, uma vez que o gás liberado faz parte – e também dá a fama – da bebida e tem de ser mantido dentro do tanque. O envelhecimento dos vinhos acontece em barris vindos da França, em uma sala onde a luz é quase inexistente, para a bebida poder realmente ‘descansar’.
A visita termina com a degustação. Em dias de grandes visitas, é sob a mangueira nos fundos da loja que os visitantes saboreiam as bebidas, no melhor clima tropical. “Nós tentamos fazer as coisas diferentes por aqui. A caatinga é maravilhosa, tem um forró maravilhoso e as pessoas são ótimas”, conta João, que veio com a família para o Brasil há oito anos e se apaixonou pelo lugar.
Terra do brandy
Outra parada de destaque da Rota do Vinho é a Fazenda Ouro Verde, do grupo Miolo, em Casa Nova (BA), a meia hora de distância de Petrolina pela BR-235. Não tem como errar: um grande touro com o nome Osborne, o brandy produzido pela Miolo, marca a entrada da vinícola. O ingresso custa R$ 10, incluindo também a degustação para os maiores de 18 anos.
Brandy é um destilado de vinho, envelhecido em barris de carvalho. A palavra “brandy” costuma ser traduzida como “conhaque” no Brasil, mas a bebida conhecida com esse nome e que é vendida no mercado nacional não deriva da uva, e sim da cana de açúcar.
A Ouro Verde tem 200 hectares de vinha plantada, área que deve ser duplicada até 2020. “Temos uma média de 2 mil visitantes por mês. As pessoas ficam impressionadas com você produzir vinhos de qualidade em um lugar de sol. E três vezes ao ano”, conta Nilmara Mendes, do grupo de enoturismo da fazenda.
A visita começa pelos tanques onde são produzidos os vinhos da casa. O espaço conta ainda com laboratórios e salas de prova, que os visitantes podem conferir só pelas janelas. “Temos uma equipe especializada para esses trabalhos”, explica a enóloga e guia Ariana Silva.
O brandy Osborne conta com duas destilações que, misturadas, dão origem ao carro-chefe da fazenda, onde se produzem também os vinhos da linha Terra Nova. “No método contínuo, destilamos 300 litros em apenas uma hora. No método charutez, são seis horas para destilar a mesma quantidade. A diferença é a qualidade final”, avisa Ariana. No final do processo, o brandy fica com 36% de álcool.
A enóloga ressalta também a importância da madeira na fabricação da bebida e guia os turistas até onde são armazenados os barris de carvalho americano. “A madeira passa sabores, aromas e cores à bebida. O brandy tem um processo de envelhecimento de um ano e meio”, conta. As barricas utilizadas nesse envelhecimento duram 25 anos; depois disso, são recicladas.
A visita passa também pela loja de vinhos e lembrancinhas da fazenda, onde os visitantes aprendem sobre os principais produtos do grupo Miolo. “Cada vinho pede uma harmonização, seja uma carne vermelha, bode, peixe, chocolate”, enumera a guia. Outra dica da especialista é a atenção ao rótulo das bebidas. “Quando você ler as palavras ‘Cuvée Prestige’, por exemplo, saiba que essa é a melhor bebida da casa”, ensina.
Na hora da degustação e da aula de harmonização, os visitantes têm a oportunidade de aprender desde o modo para abrir a garrafa elegantemente até como segurar a taça de cada bebida. “Quando você treina o paladar, consegue distinguir cheiros próprios em cada vinho. O Chenin Blanc, por exemplo, lembra frutas e flores brancas”, afirma Ariana, indicando que esse vinho branco combina com peixe, carnes brancas e frutos do mar.
Quem adorou a aula e ficou atenta a tudo foi a turista Marise Moraes, do Recife, que conheceu a vinícola com o marido. “A explicação é ótima. Eu não sabia que virando a taça um pouco, contra um fundo claro, você via as impurezas. Aprendi muita coisa, foi uma grata surpresa”, afirma.
Gastronomia no Sertão
Os vinhos pedem sempre por harmonização e a gastronomia de Petrolina cumpre o papel na hora de atender a esse pedido. Um dos lugares que todo visitante precisa conhecer é o Bodódromo, pátio com estacionamento e dez restaurantes especializados nas carnes de bode e de carneiro. Achar o lugar não é difícil: a estátua de um grande bode marca a entrada, na Avenida São Francisco, bairro de Areia Branca.
O funcionário público Alfredo Novaes e a esposa dele, Maria José Rodrigues, moradores da cidade de Dormentes, a 152 km de Petrolina, são só elogios. “Não tem carne melhor que a de bode, é de primeira qualidade”, defende Novaes, enquanto tira foto da pequena Heloíse, de 11 meses, em cima de uma das estátuas.
Como bom pernambucano, o Bodódromo tem fama de ser o maior espaço a céu aberto do mundo dedicado a essa culinária, mas não foi sempre tão organizado quanto atualmente. Quem diz isso é o empresário Isaías Rodrigues, que, em 1996, tinha um box onde vendia a carne que deu fama ao lugar. “Eu morei um ano dentro do quiosque, antes de conseguir comprar minha casa”, lembra.
Com 16 anos de experiência no mercado, o dono do Bode Assado do Isaías viu a melhoria da infraestrutura do lugar. “Aqui é onde as famílias de Petrolina se encontram, é o melhor lugar para jantar no final de semana”, conta, dizendo que é comum as pessoas se surpreenderem com a organização e com a comida. “Para quem nunca comeu, eu indico o filé de carneiro. É uma boa pedida, a carne é magra, quase sem gordura”, avisa.
Um prato de bode para duas pessoas sai, em média, por R$ 32 e quem quiser ainda pode pedir um vinho da região. “Não temos nenhum vinho do sul do país”, diz um orgulhoso Rodrigues.
A qualidade da carne servida é outra preocupação. “Eu já tenho meu fornecedor certo, mas se a carne não estiver como eu quero, mando devolver na hora”, explica Ângelo Gonzaga, que é dono do Bode Assado do Ângelo há dez anos. O local tem capacidade para receber 300 clientes ao mesmo tempo.
Um dos frequentadores assíduos do Bodódromo é o representante comercial Rogério Souza. “Se deixar, ele vem sexta, sábado e domingo”, entrega a esposa Fátima Souza. “A comida é boa, sai rápido e mesmo quando você come o bode à noite, a digestão é tranquila”, defende-se o representante. Pizza, carne bovina e frango também fazem parte do cardápio do Bodódromo, que abre às 11h, de segundo a domingo, e vai até o último cliente.
De água doce
A culinária de Petrolina conta ainda com outra tradição: os peixes do São Francisco. Uma das opções é almoçar no balneário de Pedrinhas, localizado a 33 km do centro da cidade. A praia ganhou esse nome porque as margens do rio, nesse trecho, são formadas por pequenas pedras, ao invés da areia encontrada em outras partes.
Pedrinhas tem dez restaurantes, todos bem simples, onde os próprios donos atendem os clientes. “A gente trabalhava em barracas de palha, não era tudo tão bonito como agora, não”, lembra Maria Emília Lima, cozinheira da Peixada Pai e Filho há 25 anos e que viu, há 11 anos, o lugar ser transformado em um balneário.
Os peixes mais pedidos, conta Manoel Francisco, da Peixada São Francisco, são o piau e a piranha, que, se bem feitos, quase não têm espinhas. “Fazemos do jeito que o cliente quer. Assado, frito, na churrasqueira…”, enumera. O preço do almoço varia de acordo com o tamanho do peixe, mas um piau para duas pessoas, com arroz, feijão de corda e macaxeira, sai por R$ 25. Além de degustar os pratos da região, o balneário ainda é uma boa opção para quem quer tomar banho no São Francisco que, no trecho, tem águas transparentes.
Fonte: G1 PE
Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)
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