Incra lança campanha contra venda de lotes da reforma agrária
Como parte do esforço para coibir a venda ilegal de lotes em assentamentos da reforma agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) lança nesta sexta-feira uma campanha nacional, que será veiculada na TV, rádio, revistas semanais e portais da internet. Atualmente há 924 mil famílias vivendo em 8,7 mil assentamentos atendidos pelo Incra. Segundo o órgão, a pena para quem vende e compra lotes da reforma agrária é de três anos de prisão.
De janeiro a outubro de 2011, o Incra vistoriou 21.287 lotes situados em 13 estados e no Distrito Federal. O órgão, no entanto, informa que ainda não é possível dizer o número exato de casos em que ocorre a prática ilegal da venda de lotes da reforma agrária. Isso porque cada denúncia demanda um processo judicial, que pode levar anos. Tampouco há estimativas nacionais da venda dos lotes. Mas, segundo o Incra, o problema é mais acentuado no Pará, onde há muita grilagem de terra, e menor no Rio Grande do Sul e no Paraná. Na apresentação desta sexta, o Incra divulgará dados mais detalhados de cada estado.
Sérgio Sauer, professor da UnB nos cursos de pós-graduação em Agronegócio e em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, diz que dados de até cinco anos atrás, usados pelo próprio Incra, FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), indicavam que 20% a 25% dos lotes não tinham como ocupantes as famílias originalmente assentadas. Ele aponta três motivos principais que levam à venda do lote. Um é a combinação do envelhecimento dos assentados com as oportunidades disponíveis no assentamento. Os filhos crescem, se casam e saem de casa para se dedicar a outras atividades, uma vez que um mesmo lote não suporta muitas famílias vivendo nele. O casal fica só e não tem mais para quem repassar a terra.
– O assentamento é pensado para quatro pessoas, mas quando o filho casa, ele busca outro lugar. É um processo de saída, porque o lote, mesmo que seja produtivo, não é capaz de sustentar três, quatro famílias – afirma.
Os outros dois pontos citados por Sauer são a renda e fatores que vão além do acesso à terra. Segundo o professor, em regiões de expansão canavieira, por exemplo, é comum o arrendamento ilegal das terras dos assentados para plantar cana. Isso dá ao agricultor uma renda certa que não teria caso ele mesmo produzisse. O problema é que, após alguns anos, a terra fica esgotada e o assentado passa a terra adiante.
Já os fatores não ligados ao acesso da terra ocorrem principalmente no Norte do país, onde vem ocorrendo a maioria dos assentamentos.
– Uma crítica que vem desde o governo FH, e que continuou no governo Lula, é que o lugar onde vem sendo feita a maior quantidade de assentamentos é no Norte, onde as terras são mais baratas. São mais baratas, porque são mais distantes do mercado, das escolas. Há também um problema de escoamento, as estradas são piores. Eles são colocados lá, produzem, mas não têm condição de vender. Vai vender para quem? – questiona Sauer.
Sauer também acredita, embora destacando que não tem dados disponíveis a respeito, que o aumento do preço médio da terra pode estimular o assentado a vender seu lote.
Instituto não tem dados sobre punição pelo comércio de lotes
O assentado só pode vender a terra quando tiver o título de propriedade expedido pelo Incra. Isso ocorre somente num momento em que o assentado conseguir sua emancipação, ou seja, for capaz de se manter sem a ajuda de políticas públicas, como linhas de crédito que o Incra abre para que ele permaneça no lote. Além disso, há uma taxa que o órgão cobra para que o assentado garanta o título de propriedade. Segundo ele, esse valor frequentemente impede o agricultor, mesmo o que não depende do governo, de se tornar o dono definitivo da terra. De acordo com o Incra, a emancipação leva em média oito anos, mas há casos de assentamentos com mais de 20 anos que ainda dependem da ajuda do governo.
O Incra também não tem dados sobre quantas pessoas já foram punidas pelo comércio de lotes da reforma agrária. O órgão informou que só o Judiciário poderia fornecer esse número.
Embora não possa vender, há casos em que o assentado pode devolver a terra ao Incra e receber uma indenização pelas benfeitorias que instalou no lote. Para isso, é preciso ter uma justificativa – uma doença, por exemplo – e abrir um processo administrativo no Incra, que então analisa o pedido. Uma vez devolvida a terra, ela é destinada a outro assentado. O Incra, no entanto, também não tem estimativa de quantas pessoas já devolveram suas terras.
A apresentação da campanha e de dados sobre o problema está programada para as 15h, na sede do Incra, em Brasília. A peça, estrelada pelo ator Osmar Prado, vai ser veiculada entre 27 de novembro a 26 de dezembro. Às rádios comunitárias próximas aos assentados também vão ser fornecidas as peças publicitárias. O Incra produziu ainda cartazes e folhetos para assentados e acampados, com o mote “Reforma Agrária: esta conquista não está à venda”. O custo total da campanha é de R$ 1,8 milhão, dos quais R$ 1,3 milhão apenas com a TV.
Por outro lado, Sérgio Sauer destaca que, mais que uma campanha, é preciso criar condições para o assentado permanecer na terra.
– O Incra precisa fiscalizar. Mas para esses lotes não serem passados adiante é preciso criar incentivos, ter políticas públicas.
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