Em fase final de tramitação, projeto de lei da meia-entrada agrada, mas pode causar polêmica
Pela primeira vez, produtores culturais, entidades estudantis e parlamentares se dizem satisfeitos com o texto em análise e mobilizados para que o projeto de lei 4.571, dos então senadores Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Flavio Arns (PSDB-PR), seja aprovado o quanto antes. O motivo é claro: ao fixar uma cota de pelo menos 40% dos ingressos para atender a idosos e estudantes, a futura lei daria aos produtores a possibilidade de saber exatamente o total de meias-entradas à venda. Aos beneficiados, a certeza de que seu direito de desconto seria respeitado. E há quem aposte que, com a regulamentação, haverá queda de preços no setor.
“Foi muito difícil convencer os políticos e as entidades estudantis de que se deve regulamentar a meia-entrada, uma atitude que não é lá muito popular. Na proposta inicial, pedíamos que o desconto fosse restrito a até 30% da capacidade dos espaços, mas, após um acordo com a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e outras entidades estudantis, aceitamos a contraproposta de 40%”, conta Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), que participou da elaboração do projeto.
“A criação de uma cota é um passo na direção certa”, comemora Leo Ganem, presidente da produtora GEO Eventos, responsável pela edição brasileira do festival Lollapalooza. “A lei estabelece um limite que nos permite calcular os valores dos ingressos em cima de uma base mais sólida. Hoje, qualquer espetáculo de grande porte pode ter de 60% a 95% de ingressos vendidos com meia-entrada, e, como esse espectro é bem amplo, a gente fica perdido na hora de definir o preço. Chuta os valores para cima e acaba punindo quem não tem o benefício.”
Em 11 anos, o dobro de carteirinhas
Segundo Ganem, há hoje duas associações de produtores de shows preocupadas com a discussão. A primeira, criada há mais de 15 anos, reúne representantes de empresas como GEO, XYZ, Artplan e T4F. A segunda é composta por empresas que vendem ingressos. Ambas acompanham de perto o andamento da lei.
Além da cota de 40%, o projeto, que tramita em caráter de urgência, traz outras duas novidades. Devolve às entidades estudantis – UNE, Ubes e DCEs, entre outras – a exclusividade na emissão das carteirinhas e estabelece que elas sejam fabricadas pela Casa da Moeda, com uma tecnologia que visa a reduzir falsificações.
Daniel Iliescu, presidente da UNE, reconhece que a cota consiste numa restrição ao que existe hoje em dia na maior parte do país, mas conta que a entidade resolveu aceitá-la para que o direito de desconto volte a ser aplicado de forma real – e não mais com a chamada falsa meia-entrada (quando o mercado dobra o preço dos ingressos para arrecadar o valor real com a venda de meias-entradas).
“Nas reuniões que fizemos com a indústria, eles nos mostraram que até 2001, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso tirou das entidades estudantis a exclusividade na emissão das carteirinhas, o uso da meia-entrada rondava 28% das bilheterias. Depois disso, passou para 78%. Os 40% fixados pelo projeto devem dar conta da necessidade real. Então decidimos reefetivar primeiro o desconto, que hoje não funciona de verdade, para depois, se necessário, lutar por um aumento dessa porcentagem.”
Queda de preços à vista?
O objetivo da UNE é conseguir baratear o preço dos ingressos. Alguns produtores culturais, que nos últimos meses penaram para lotar espetáculos por conta dos ingressos caros, já concordam que é necessário rever valores.
“Hoje, estipulo o preço de maneira simples: calculo de quanto vou precisar e multiplico por dois. Com a cota (de 40% para meia-entrada), vou multiplicar por 1,4, ou algo do tipo”, antecipa Ganem. “Para os produtores, é interessante ter preço menor. As pessoas não estão mais pagando por ingressos caros. Vide Lady Gaga e Madonna (que tiveram ingressos encalhados).”
“Ninguém quer dar um tiro no pé”, ecoa Barata. “Temos que baixar os preços para renovar as plateias. Tenho certeza de que a regulamentação vai se refletir nos valores dos ingressos.”
No setor cinematográfico, o projeto de lei também encontra apoio.
“Ainda que não atenda totalmente às demandas da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), o projeto ao menos oferece soluções para questões imediatas, como a regularização na emissão das carteiras”,destaca Paulo Celso Lui, presidente da federação. “O projeto é positivo. Tende a colocar ordem no atual panorama.”
Devido ao acordo entre os envolvidos, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), presidente da Frente Parlamentar de Cultura, acredita que a lei nacional estará pronta já em meados do ano que vem:
“O projeto ainda retornará ao Senado porque foi modificado na Câmara. Mas, como há consenso e as mudanças foram pequenas, passará rápido tanto na CCJ quanto no Senado. A lei deve ser sancionada no primeiro semestre de 2013.”
No que diz respeito à fiscalização do benefício, o projeto entra em terreno arenoso. Estabelece que a tarefa “caberá aos órgãos públicos competentes federais, estaduais e municipais” e que eles poderão aplicar sanções administrativas e penais.
“O Estatuto da Juventude já obriga bilheterias a mostrar quantas meias-entradas foram postas à venda e quantas foram vendidas. Queremos levar isso para à nova lei nacional”, diz Iliescu, da UNE.
Uma vez aprovada, a lei terá valor em todo o Brasil, até onde já há regulamentações locais sobre o assunto, caso de Rio, São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza. Diante da convivência de duas leis, especialistas preveem um acalorado debate. Caberá ao Judiciário decidir qual lei prevalecerá.
Coexistência de leis pode gerar polêmica
Juristas que acompanham o debate sobre o projeto de lei 4.571 alertam para um futuro de polêmica no que diz respeito à meia-entrada. Em estados e municípios que já têm regulamentação, o Judiciário deverá dizer qual lei prevalecerá: a local ou a federal.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, todos os estudantes têm direito ao benefício, independentemente do número de ingressos postos à venda. Se o projeto for aprovado como está, a lei nacional restringirá esse direito a 40% das entradas. Logo, seria possível que um estudante quisesse, mas não conseguisse efetivar o direito que lhe é garantido no âmbito estadual.
Segundo a consultora jurídica do Procon-RJ Maria Rachel Coelho, a coexistência de leis deve gerar uma “confusão jurídica nacional”, abrindo precedentes para uma possível disputa de liminares. No Rio, portanto, a lei nacional favoreceria os produtores. E a lei estadual, os idosos e estudantes.
“Na questão da meia-entrada, a competência para legislar é concorrente, ou seja, cabe à União a edição de normas gerais e aos estados e ao Distrito Federal a elaboração de normas suplementares”, explica a consultora jurídica. “A lei federal teria valor em todo o território, mas há uma jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) que data de 2006 e que entende como legítimo e constitucional o benefício da meia-entrada concedido por leis locais.”
Para Guilherme Peres, subprocurador-geral da OAB-RJ, até que o Judiciário decida qual lei é efetiva num local onde duas coexistam, é possível que haja um “momento de incerteza”.
“No conflito entre duas leis relativas a um mesmo assunto, deve prevalecer a divisão de competências legislativas estabelecida pela Constituição em seu artigo 24. No caso da meia-entrada, eu entendo que deveria prevalecer no Rio a lei estadual, por ser mais benéfica aos estudantes. Mas só o Judiciário poderá dirimir sobre isso.”
Leo Ganem, da GEO Eventos, teme que essa incerteza possa jogar por terra o projeto costurado nos últimos anos.
“Se ocorrer esse tipo de conflito legislativo, nós (produtores de shows) teremos que atuar em outras esferas para equalizar a lei. Nos preocupam os fatos que podem vir a tornar essa lei inócua.”
Caso a futura lei nacional não seja aplicada no Rio, Roberto Medina, do Rock in Rio, já estuda uma solução para coibir a venda excessiva de meias-entradas.
“Em 2011, pedimos que os compradores de meia-entrada nos dessem cópias das carteiras”, conta Medina, que apoia o projeto de lei 4.571.
Em 2013, o festival cruzará dados dos compradores com informações fornecidas pelas entidades estudantis.
“Uma equipe vai checar os dados”, explica Juliana Ribeiro, gerente de ticketing do festival. “Se houver irregularidade, poderemos cancelar os ingressos, conforme estabelecido nos termos de serviço do nosso sistema de compras.”
Fonte: Agência O Globo
Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)
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