Empreendedorismo: ideias de energia renovável que abastecem a esperança no Sertão
O mesmo sol que queima o chão e desenha o mosaico de profundas rachaduras no solo hoje é esperança. Em propriedades rurais de cidades como São José do Egito, Afogados da Ingazeira e Carnaíba, no Sertão do Pajeú pernambucano, placas solares dividem espaço com biodigestores, equipamentos que agora compõem aquele cenário. O piso, então, é mais verde. O pouco de água que se tem é suficiente para beber e arar a terra. Dali brotam alimentos para as famílias e o que sobra permite a venda no mercado. E assim, com a tecnologia, o sertanejo vê – aos poucos – dias mais fartos pela frente.
Para o agricultor José Josivaldo Pereira dos Anjos, 44 anos, que mora na comunidade de Barreiros, em São José do Egito, a 412 quilômetros do Recife, estranho é imaginar a vida ali antes da instalação das placas de energia solar. Em 2004, a família de Seu Josivaldo foi escolhida para receber a tecnologia em sua propriedade, um terreno de 5 hectares, herança do avô dele. “O projeto previa a instalação de placas solares em pequenos poços. Com a energia gerada a partir do sol, essa água é bombeada e promove a irrigação por gotejamento”, explica Joseilton Evangelista, da ONG Diaconia, responsável pela ação em parceria com o Núcleo de Apoio a Projtos de Energias Renováveis (Naper), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Também no Sertão de Pernambuco, no Sítio Bonsucesso, no município de Tuparetama, o agricultor Ivan Monteiro, 32 anos, festeja o ganho dos equipamentos. “Usamos a energia solar para aguar um viveiro de mudas. Além de utilizarmos energia limpa, economizamos muito”. Ivan, que mora com os pais e uma irmã numa propriedade de 12 hectares, planta 35 variedades de hortaliças e participa de duas feiras agroecológicas nos municípios vizinhos, além de fornecer os vegetais para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A empolgação mais recente, no entanto, tem sido com o recém-construído biodigestor, cuja produção de gás é usada em substituição ao gás de cozinha. “As mulheres estão muito empolgadas e os vizinhos já sinalizaram que querem construir um igual, por conta própria. Estão muito curiosos”, comenta Seu Ivan. Ele conta que utiliza parte do esterco produzido pelos animais da propriedade como adubo e a outra parte vai para o equipamento.
A instalação de fontes alternativas de energia em propriedades rurais, embora não seja uma realidade universalizada, uma vez que a infraestrutura para isso ainda é cara, tende a ser um caminho viável para pequenos e médios produtores. Nas pranchetas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um projeto de doutorado defendido por Gustavo Carielo, professor da disciplina Dispositivos e sistemas renováveis no Instituto Federal de Tecnologia de Pernambuco (IFPE), também busca melhorar a qualidade de vida do homem do Sertão usando a energia vinda da natureza. “A água consumida ali muitas vezes é insalubre, acarretando em problemas sérios para a saúde. Meu projeto, um coletor solar térmico, visa utilizar a energia vinda do sol para tratar essa água”, defende, apresentando o mecanismo que ainda está em processo de validação.
É das bancadas da universidade – e em estudos multidisciplinares – que ideias empreendedoras nascem diariamente. O desenhista industrial Alberes Cavalcanti, formado em Design no Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da UFPE, em Caruaru, pensou nas grandes cidades quando desenvolveu o projeto de conclusão do curso. A ideia foi construir uma luminária solar fotovoltaica que pudesse ser facilmente adotada por cidades sustentáveis e espaços públicos. O embrião do projeto veio lá atrás, quando Alberes fez o curso técnico em Mecânica pelo antigo Cefet (hoje IFPE). Na universidade, o cenário foi totalmente favorável. Juntou-se ao grupo de pesquisa em Soluções em Energia e Desgin (Sendes) e, sob orientação dos professores Sílvio Diniz e Heitor Scalambrini, deu vida ao primeiro modelo da luminária. “Antes de chegarmos ao aço, do protótipo final, utilizamos o bambu, que não era um material muito resistente às intempéries”, conta.
Batizada de Lumisol, a luminária funciona com uma placa de silício de 70 W que fica no topo da estrutura. O objetivo é captar a luminosidade do sol que posteriormente será enviada a uma bateria de 100 a 150 amperes. Quando cai a noite ou a iluminação do ambiente, o poste sustentável acende automaticamente. Alberes assegura que a luminosidade é igual à de um poste convencional e que o protótipo tem autonomia para até três dias. Ele utiliza lâmpadas de LED – apresentam baixo consumo de energia e longa durabilidade. O desenvolvimento do protótipo custou R$ 3.291,54 e contou com mão de obra voluntária para a montagem. A Lumisol está instalada no Campus Agreste, em Caruaru (BR 104, km 59, s/n), e está aberta à visitação pública.
SOLUÇÕES – No mesmo laboratório em que Alberes desenvolveu sua Lumisol – e do qual hoje é colaborador -, outras ideias estão em fase de criação. O professor Sérgio Diniz dá como exemplos dois estudos de nomes curiosos: a Anunsolar e o Sucobar. “O objetivo do Sendes é gerar pequenos negócios para pessoas de baixa renda”, explica o co-líder do grupo. A “Anunsolar” (foto acima) nada mais será do que uma adaptação das populares bicicletas de bairro que circulam com caixas de som – só que potencializadas com energia solar. “Verificamos que a rotina de trabalho dessas pessoas, na maior parte homens, é de 10 a 12 horas, em condições muitas vezes precárias. A médio prazo, 90% deles podem desenvolver desde problemas ergonômicos à impotência”. A solução viria em duas frentes – de design e de sustentabilidade, uma vez que um kit seria oferecido para transformar essas bicicletas em triciclos e uma placa de captura solar serviria para fornecer a energia das caixas de som. “Estamos na fase do protótipo. Na segunda versão, vamos implementar a geração de energia pelo próprio ato de pedalar”, prevê.
Atento à geografia e perfil dos pequenos empreendedores da região, o grupo de Sérgio também trabalha na criação de uma “plataforma” que possibilite aos comerciantes trocar a oferta das bebidas industrializadas por sucos naturais, que possuem grande demanda na região. “A ideia é que o Sucobar utilize uma placa solar de corrente contínua para promover uma refrigeração que dure mais tempo”, explica o professor. Ambos os projetos estão em fase de prototipagem e devem ficar prontos em um ano.
Sobre a Lumisol (na imagem abaixo), Alberes espera encontrar algum investidor para que ele possa realizar o sonho de ver sua luminária instalada e trabalhando a todo vapor. “Recebi e-mail de uma empresa do interior de São Paulo interessada no projeto, mas ainda é um contato inicial”, comenta. “O principal desafio de quem trabalha com energia solar é vencer o preconceito que ainda existe contra as placas fotovoltaicas. Há uma crença de que elas são caras e realmente são, mas o preço já caiu muito e essa é uma tendência”, vislumbra.
PEQUENOS GERADORES – Nos laboratórios do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), a jovem empresa de microeletrônica SiliconReef concentra toda sua energia de pesquisa e desenvolvimento para aumentar a eficiência de circuitos integrados que vão abastecer dispositivos eletrônicos móveis como celulares, tablets e aparelhos de GPS. Nesse cenário, as muitas vezes gigantescas placas fotovoltaicas são substituídas por minúsculos chips que vão ser integrados a sistemas mais complexos de captura de luz e calor para dar uma dose extra de carga a esses portáteis. “Quando falamos em energia solar, imaginamos logo aquelas fazendas com placas imensas para produzir em larga escala. O nosso foco é a produção em pequena escala”, explica a CEO da empresa pernambucana, Marília Lima.
“Em um aparelhinho desses (mostra um iPhone), com uma tela tão pequena, a eficiência desses painéis solares costuma ser muito baixa. A energia que o dispositivo consegue coletar é tão pequena que, muitas vezes, o aparelho tem que ficar mais de 12 horas exposto ao sol para obter uma carga mínima. É tentando ampliar essa eficiência que a gente trabalha”, explica Marília. Diferentemente da maior parte das demais empresas do Cesar, a SiliconReef atua na área de microeletrônica e semicondutores. Em computadores, são projetados sistemas para configurar o painel dinamicamente visando aumentar a eficiência dessas placas. “E, assim, tornar viável a existência dessa fonte alternativa de energia para esses pequenos dispositivos”.
Aliás, é dessa premissa que a empresa se alimenta. Quando entrou no mercado, em 2008, poucas no mundo estavam trabalhando com o mesmo foco. A empresa desenvolve o microchip EH01, que trabalha com o conceito de Energy Harvest (que poderia ser traduzido a grosso modo como colheita de energia). Atualmente, o principal cliente da SiliconReef são os fabricantes de acessórios para carregamento de energia solar nos Estados Unidos e Ásia. “A questão do carregamento solar não está diretamente resolvida nos próprios aparelhos. Então são as empresas que desenvolvem mochilas com carregador para atletas ou os carregadores solares propriamente ditos que nos procuram”.
Hoje a SiliconReef possui 14 funcionários e, ao contrário de quando começou sozinha no mercado, acredita que o desafio nos próximos anos será grande. “Estamos no limite do desenvolvimento do produto. Na época em que começamos, ninguém ainda apostava no setor, mas a concorrência tende a se acirrar. No entanto, essa é uma tecnologia que ainda vai entrar no seu ápice e ficar perfeita para o usuário final”. E Pernambuco está de olho nisto
Fonte: NE10
Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)
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