“Esse título pertence a uma geração”, diz João Gondim

Há 25 anos João Alves Gondim Neto chegava a Petrolina para reconstruir sua vida, a convite de um amigo. Natural de Salgueiro (PE), o comerciário vai receber na noite deste sábado o Título de Cidadão Petrolinense, em reconhecimento ao seu papel na luta contra a ditadura no Brasil.

Gondim não esperava ficar definitivamente na cidade, mas apenas passar um período. Mas, não demorou para se encantar. Acompanhado da esposa, Aurilene Bezerra Soares, criou raízes e teve dois filhos, os petrolinenses Mariana Bezerra Gondim e João Vitor Bezerra Gondim. “Petrolina é uma cidade encantadora, que tem o privilégio de ser banhada por esse rio maravilhoso. Os petrolinenses tiveram a capacidade de transformar o potencial desse rio em algo muito produtivo, muito rico. Mesmo quando existia uma certa recessão econômica em Pernambuco, Petrolina era uma fronteira de desenvolvimento. Meus filhos foram criados aqui, minha mulher se estabeleceu aqui profissionalmente, as amizades mais profundas a gente fez aqui”, confirma.

Em entrevista ao Gazzeta, o homenageado revela detalhes do período em que militou contra o regime militar, tortura e prisão. Ele ainda lembra os amigos desaparecidos, mortos por lutar pela redemocratização.

Gondim foi preso em 1972 em Fortaleza, no local onde morava e onde funcionava uma das sedes de encontros dos militantes políticos. Durante três meses foi torturado e depois preso por mais de sete anos. Mesmo diante de todo o sofrimento, o comerciário não se arrepende de sua luta.

Ele lembra que o regime não foi implantado apenas pelos militares, mas por uma elite que não admitia avanços sociais. “A responsabilidade é de uma parte civil. Os militares entraram na história e acabaram assumindo o protagonismo desse processo. Temos no Brasil uma elite atrasada que não quer ver o país se desenvolver”, diz.

O militante, que desde 1979 é membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), nunca demonstrou interesse em ocupar cargos políticos, atuando sempre nos bastidores. Com simplicidade, ele busca justificativas para receber o Título de Cidadão Petrolinense, e compartilha a honraria com toda uma geração que lutou por um Brasil democrático. Acompanha abaixo trechos da entrevista.

GAZZETA DO SÃO FRANCISCO – Como foi receber essa homenagem, o Título de Cidadão Petrolinense?

JOÃO GONDIM – Eu tinha uma certa restrição ao título pelo fato de expressar um serviço da pessoa a cidade, e nesse período que passei aqui tenho participado da vida da cidade, participado politicamente, mas nunca tive uma função, um desempenho que justificasse um título desses.

Depois de refletir sobre essa questão, passei a ver que a motivação da indicação, passei a receber com o espírito, de que o título simbolizava mais um período histórico que eu vivi. Não é meu, é de uma geração que teve um desempenho e um papel importante na luta contra a ditadura.

GAZZETA – Quando aconteceu o golpe de 1964, onde o senhor estava? O que fazia?

JOÃO GONDIM – Eu estava em Salgueiro, era secundarista. A gente tinha um grêmio estudantil, mas não tinha uma compreensão política aprofundada. A gente tinha um espírito democrático aguçado. O escritor Raimundo Carrero era meu colega de classe. A gente discutia aquilo, se manifestava, mas o clima na escola por parte da direção era muito favorável ao golpe.

Em 66 eu fui para Recife, e a partir dai passei a ter uma atividade política maior. O clima político no Recife era mais agitado, de uma reação maior. Isso veio culminar em 68, quando a gente participou de todas as manifestações durante todo ao ano, que começaram em março e culminou com a decretação do AI-5 (Ato Institucional) em dezembro. Foi uma espécie de golpe dentro do golpe. Foi a maneira como a ditadura encontrou de reagir a todas aquelas manifestações que aconteciam no país inteiro. Foi um momento de repressão intensa, com muita gente presa.

A reação das pessoas que participavam do movimento estudantil, não foi de recuo. Foi de criar novas formas de enfrentamento. Já que não podia ser por vias legais, porque a repressão foi articulada de tal forma que não podia mais se reunir, não existia mais autonomia escolar e universitária. A polícia podia entrar em qualquer escola ou faculdade na hora que bem entendesse. Diretores de escolas foram mudados.

GAZZETA – Qual o sentimento que o senhor tinha em relação a situação que o país enfrentava naquele momento?

JOÃO GONDIM – Era um sentimento generalizado de indignação com relação a falta de liberdade. A medida que a repressão ia se intensificando, a vontade era encontrar meios de continuar essa luta. O movimento em número não se fortalecia, mas em intensidade, em vontade. Havia o desprendimento, a determinação da juventude, com vontade de lutar.

Todas as energias eram direcionadas no sentido de reconquista da liberdade. Num determinado momento foi derrotado, mas recrudesceu no momento seguinte.

GAZZETA – O senhor participou de alguma ação armada?

JOÃO GONDIM – Participei de algumas. Fui processado, julgado, condenando em umas, absolvido em outras, mas fazia parte daquele processo.

GAZZETA – Sempre militou em Recife, ou também no Ceará?

JOÃO GONDIM – Eu militei no Recife, depois as condições ficaram difíceis e me desloquei para Fortaleza. Fui preso em Fortaleza no dia 23 de março de 1972. Passei sete anos e três meses preso. Saí um pouco antes da anistia, em junho de 79.

GAZZETA – O senhor ficou preso em Fortaleza ou foi levado para outra cidade?

JOÃO GONDIM – Eu fui preso por um comando da Polícia Militar com a Polícia Federal. Fiquei dois dias no quartel da Polícia Militar e depois fui descolado para a Polícia Federal. Estivei no Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) no Recife, porque como eu era de Recife eles me transferiram. Passei oito dias e fui novamente transferido para Fortaleza, onde me deslocaram para o quartel, o 23º Batalhão de Caçadores do Exército. Passei um mês no quartel e depois fui deslocado para o Instituto Penal Paulo Sarasate (em Aquiraz) onde cumpri pena.

GAZZETA – Nesse período o senhor foi torturado.

JOÃO GONDIM – Nessa época, quem foi preso foi torturado. Com culpa ou sem culpa. Pessoas que tinham participação ou não. Se você tivesse o azar de ser preso mesmo sem nenhum envolvimento (na luta), seria torturado para revelar sua participação. Esse período despois do AI-5, de 69 a 76, os chamados anos de chumbo, quem foi preso foi torturado e quem não resistiu morreu.

Hoje fazem parte de uma legião de desaparecidos. A Comissão da Verdade, criada pela presidente Dilma, tem exatamente o objetivo de tentar esclarecer todas essas questões. Muitos foram mortos, tem certeza que foram mortos, mas não se sabe onde estão. É um drama das famílias. É preciso um esclarecimento.

GAZZETA – Muitos que militavam junto com o senhor desapareceram?

JOÃO GONDIM – Vários. O Ramires Vale que era um amigão de infância teve o cadáver descoberto agora no Rio (de Janeiro). A Ranusia também foi descoberta agora. Odijas Carvalho, que foi do Diretório de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que foi comprovadamente morto, mas alegam que foi morto por outras coisas. São questões que devem ser esclarecidas para colocar as coisas no seu devido lugar. A história não pode ficar encoberta.

GAZZETA – Em algum momento o senhor se arrependeu? Faria algo diferente?

JOÃO GONDIM Não tem motivo para arrependimento. Estava lutando por uma coisa muito justa, real, que é a liberdade. Hoje a gente pode conversar tranquilamente, participar de reuniões, pode discutir os problemas do país de uma forma muito ampla. Isso é o que se queria naquela época, e não podia.

Como viver num país onde você não pode discutir o destino? Um país que também te pertence. Eles assumiram o poder de uma forma violenta estabelecendo que eles davam o destino do país. O destino que eles deram foi um destino catastrófico.

GAZZETA – O senhor considera o regime democrático em que vive hoje o ideal?

JOÃO GONDIM Acho que ainda tem que melhorar muita coisa. Estamos começando. O processo democrático no Brasil se interrompe. Em 120 anos de República, o período de maior vigência democrática é esse período de 28 anos. Todos eles foram intercalados com interrupções da liberdade. Nesse processo agora, mais longo, o povo tem condições de participar e ir avançando nesse processo de conquistas sociais.

O Brasil tem que caminhar para se modernizar, melhorar a estrutura agrária, econômica, ter uma distribuição de renda mais ampla.

Fonte: Gazzeta

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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