Guerra civil divide artistas na Síria

O produtor de cinema sírio Houd Said planejava ir à estreia de seu último trabalho no Festival Internacional de Cinema de Dubai, quando a má notícia chegou: seu filme fora retirado do programa. A obra não era um manifesto político, mas foi produzido com a ajuda do regime de Bashar al-Assad, desencadeando protestos dos artistas de oposição. Dois outros longas sírios inscritos no festival tiveram o mesmo destino.

“Percebi na hora que tinha sido por razões políticas”,disse Said.

A guerra civil na Síria criou rixas em várias partes da sociedade, após toda a violência que matou mais de 40 mil pessoas, exacerbando as diferenças de classe, ideologia e religião. A divisão quase total entre artistas pró e contra o regime reflete a profundidade dessas divergências. Apesar de escritores, músicos e cineastas lutarem apenas com declarações ríspidas, em vez de armas e tanques, essa animosidade mútua é um mau presságio para a reconciliação a qual Assad deve ceder. Depois de 20 meses de conflito, muitos não conseguem mais tolerar aqueles que eram seus amigos e colegas com visões divergentes.

Por décadas, o governo sírio apoiou artistas com fundos estatais, mediante monitoramento rígido de suas produções, para garantir que eles continuassem favoráveis ao regime.

Surpreendentemente, isso produziu pouquíssima arte que fosse propaganda do governo, de acordo com Rebecca Joubin, acadêmica de cultura síria na faculdade de Davidson. Ao contrário, artistas trabalharam dentro do sistema, frequentemente criticando o regime indiretamente ou mostrando os efeitos dolorosos das políticas, de forma que não chamasse atenção dos censores. Todos pareciam aceitar isso como a única forma de trabalhar.

A situação mudou com a eclosão do levante anti-Assad, em março de 2011, e o país mergulhou na guerra civil. Alguns artistas de renome, como o cantor George Wassouf e o ator Duraid Lahham, mantiveram-se ao lado do presidente. Muitos o consideram um símbolo fundamental da nação, apoiam suas posições anti-Israel ou temem que rebeldes sunitas substituam seu regime secular por um governo conservador e religioso.

Outros que se juntaram ao levante pagaram caro. O cartunista político Ali Ferzat teve suas mãos esmagadas por homens mascarados, no ano passado, por ter feito desenhos criticando a família de Assad. No mínimo, dois cineastas foram mortos, um deles enquanto ensinava ativistas a produzir vídeos melhores. Outros foram presos ou se exilaram.

À medida que a violência cresce, artistas perdem a paciência com aqueles que não romperam publicamente com o governo.

“Antes do levante, muitos intelectuais sírios entendiam que este é um jogo que eles tinham que jogar para sobreviver”, disse Jouvin. “Mas agora, quando tantos escritores, artistas e diretores, tantos sírios, pagaram com suas vidas, o povo não aceita mais isso.”

De acordo com Joubin, o racha foi especialmente severo na comunidade de cineastas, em parte, por causa de velhas reclamações sobre quem deveria receber apoio e a escassa verba governamental. No começo do ano passado, um grupo de cineastas lançou uma petição online condenando o regime de Assad e solicitando assinaturas em “solidariedade com o povo sírio e seus sonhos de justiça, igualdade e liberdade”.

Mais tarde, mais de 100 diretores, atores e músicos publicaram um manifesto ecoando a linha governamental de que os protestos eram abastecidos por intromissões estrangeiras. O texto clamava por “passos em direção à reforma e à mudança”, sob a liderança de Assad. A declaração também dizia que cineastas israelenses tinham assinado a petição – implicando colaboração com o inimigo, ofensa capital na Síria. A oposição considerou a declaração uma traição e temeu que o serviço de inteligência de Assad tivesse rastreado os que não a assinaram.

“Quando você está nestas inconstâncias e faz ataques ideológicos a pessoas, chamando-os de traidores, de certa forma, você está decretando sua morte”, disse o cineasta de oposição Meyar Al-Roumi, que vive na França.

Mas quando a lista foi anunciada, cineastas de oposição ficaram assustados ao perceber que três dos trabalhos tinham sido produzidos pela associação de diretores do governo sírio que tinham assinado a declaração pró-Assad. Os outros filmes foram produzidos com verba privada, principalmente com recursos europeus.

“Eles fizeram seus filmes com dinheiro de um Estado que está matando seu povo. É como se estivessem convidando Assad para o festival”, disse Al-Roumi, cujo filme “Round Trip” está sendo exibido em Dubai.

Após reclamações de Al-Roubi e outros, organizadores do festival cancelaram os filmes. Uma declaração no site do festival diz que os longas não seriam exibidos “em consideração à trágica situação vivida pelo povo sírio todos os dias e de acordo com a política dos Emirados Árabes Unidos, em defesa do povo sírio e suas ambições”.

O veterano cineasta Abdellatif Abdelhamid disse que foi informado que seu filme “The Lover” tinha sido retirado logo depois de ele ter recebido o convite oficial e a passagem de avião. Uma semana antes, o mesmo filme foi retirado do Festival Internacional de Cinema do Cairo, após reclamações semelhantes.

“O discurso deles me faz rir: eles trabalham com a associação e fazem seus filmes lá. De quem nós deveríamos receber apoio? Burkina Faso?”,disse Abdelhamid, sobre a oposição.

Ele também ficou surpreso que seu filme, “My Last Friend”, tivesse sido retirado, uma estratégia que ele chamou de “exclusão política”. O cineasta disse que não pôde acreditar que estava sendo punido por uma declaração que assinara um ano e meio antes, quando tanta coisa já mudou na Síria desde então.

“A situação está bem diferente hoje. Agora, nós temos uma guerra civil e eles querem dizer que tudo isso é sobre a declaração. É uma desculpa idiota.”

Todos concordam que a disputa não tem nada a ver com os filmes propriamente ditos. Nenhum era notadamente político e nenhum dos cineastas de oposição sequer assistiram aos trabalhos. Ao contrário, a briga é profundamente pessoal. AL-Meyar disse que trabalhou ao lado de Said antes da revolta, mas agora não poderia suportar ver seus filmes exibidos no mesmo festival.

” Os filmes continuarão a existir e as pessoas vão assistir e dizer que meu filme é um lixo e o filme dele é bom. Mas, por razões humanas, só posso lidar com essas pessoas como monstros e preciso ser muito cauteloso”, disse AL-Roumi.

Joubin, a acadêmica de Davidson, criticou os cancelamentos e disse que todos os filmes precisam ser financiados por alguém. Segundo ele, mesmo aqueles produzidos pelo governo sírio fornecem visões sobre a sociedade.

“Se toda vez que um filme for produzido pelo governo sírio ele for retirado de circulação, as pessoas deixarão de assistir um monte de filmes lindíssimos.”

Fonte: Agência O globo

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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