Jorge Amado: aos cem anos, a solidão?

No centenário de Jorge Amado, comemorado hoje, a digestão do legado do escritor baiano ainda está longe de se completar. De um lado, sua obra de inédita popularidade sofreu uma espécie de canonização, com muito de kitschcomo qualquer canonização. Basta ver o Bataclan ridiculamente luxuoso da nova adaptação de “Gabriela” na TV Globo: faz o Moulin Rouge parecer um bordel de província, como se as prostitutas de Ilhéus na época de ouro do cacau não fossem desdentadas, não tivessem pés cascudos, filhas destituídas da Idade Média brasileira que eram, e sim top models fazendo um bico para descolar uns trocados a mais.

O outro lado da moeda é o da negação pura de Jorge Amado, que ainda é a postura dominante nos círculos literários – e não apenas acadêmicos, embora estes tenham exercido forte influência nesse sentido. Atropelado pela novidade dos estudos culturais em que desembocou o pensamento de esquerda no último quarto do século 20, Amado – que na primeira metade de sua carreira foi nosso escritor mais assumidamente político, “se não bispo ao menos monsenhor” do stalinismo, em suas próprias palavras – viu-se escalado no papel de porta-voz do patriarcalismo e do sexismo, como se fosse uma espécie de José Sarney baiano, com Gabriela representando o exato oposto de tudo o que as mulheres livres devem ser.

Parece evidente que uma síntese ainda precisa ser encontrada. Há um soluço, um tropeço, uma descontinuidade pouco compreendida quando o bastão de romancista brasileiro ultrapopular é passado de Jorge Amado, com sua brasilidade à beira do folclore, para Paulo Coelho, cultor de um internacionalismo com sabor artificial de framboesa. Não é à toa que os mais efusivos elogios ao autor de “A morte e a morte de Quincas Berro Dágua” tenham vindo nos últimos anos de colegas estrangeiros, como Mia Couto e Mario Vargas Llosa. Se o também baiano João Ubaldo Ribeiro é provavelmente o último grande nome da linhagem épica de Jorge, o carioca Alberto Mussa é com certeza o único autor da minha geração a trabalhar num registro mais ou menos semelhante de construção – em vez de descontrução, palavra de ordem das últimas décadas – de mitos. Se os leitores nunca o abandonaram, a intelectualidade brasileira tem deixado Jorge Amado em quase completa solidão, ou pior, entregue aos recitadores de sotaque falso da teledramaturgia global.

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Em 1957, numa nota incluída em seu livro de memórias “Navegação de cabotagem”, Amado escreveu: “A campanha de desestalinização come solta da União Soviética, não vai durar por muito tempo, a memória dos tiranos encontra sempre fanáticos a sustentá-la”. Nunca encontrei outra passagem em que ele chegasse tão perto de renegar o stalinismo, tema sobre o qual – assim como Oscar Niemeyer – costumava preferir o silêncio. Em seguida, conta ter recebido uma carta de Moscou, pedindo-lhe que devolvesse a medalha de ouro do Prêmio Internacional Stálin, que ganhara seis anos antes, substituindo-a pela medalha de ouro do Prêmio Internacional Lênin, que vinha no pacote.

Pois bem: Amado decidiu ficar com a medalha nova, mas não devolveu a antiga. É tentador ver nessa acomodação, nesse apagamento de contradições, o mesmo movimento espiritual que desembocaria no ano seguinte na publicação de “Gabriela, cravo e canela”, marco inicial de uma nova fase em que o eixo da luta de classes característico do realismo socialista dava lugar à exaltação sensualista da mestiçagem e do sincretismo, à moda de Gilberto Freyre.

Foi a partir daí que Jorge Amado inventou todo um país, oferecendo-o como espelho a todo o país – algo que é a vocação maior do romance e que nenhum outro escritor brasileiro conseguiu realizar com tanto sucesso. Nas palavras de Mia Couto, “Jorge Amado não escreveu livros, escreveu um país”. Um país que era verdadeiro e também falso, um pouco de cada coisa, mas essa seria uma longa conversa. De todo modo, gigantesco demais para ser contornado enquanto se assobia para o alto.

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Em entrevista a Ricardo Setti, o escritor peruano Mario Vargas Llosa pintou um retrato bonachão do Jorge Amado que conheceu: autor consagrado, pai de uma certa pátria, aquele que surgiu após o referido apagamento das contradições: “Ele é, talvez, entre todos os escritores que conheci, um dos que mais vi sempre contente, e de quem não me lembro ter ouvido falar mal de nenhum outro escritor – mas sempre bem, e de todos!” Isso porque Vargas Llosa não lhe perguntou sobre o crítico Otto Maria Carpeaux, com quem Amado viveu uma das maiores inimizades da história da literatura brasileira, culminando numa troca de socos à porta do “Correio da Manhã”, no Rio de Janeiro, em 1959.

O Jorge Amado bonachão e o Jorge Amado pugilista também formam um par dialético à espera de síntese.

Fonte: VEJA

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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