Longe dos padrões mundiais de excelência, aeroportos brasileiros correm atrás de décadas de negligência
Quem viaja, não quer enfrentar horas de filas, atrasos, cancelamentos ou correrias. Quem viaja, quer conforto, assentos disponíveis, bons serviços para compras e alimentação, segurança e também quer ser bem atendido, de forma educada e rápida. Parece óbvio, mas esses são alguns dos 39 itens avaliados anualmente pela consultoria britânica Skytrax em 250 aeroportos para escolher os melhores do mundo que colocaram o principal aeroporto brasileiro, o Internacional de Guarulhos/São Paulo, em 121º no lugar no ranking.
A pesquisa, que ouve 11,3 milhões de passageiros de mais de 100 nacionalidades, mede a qualidade dos serviços prestados, da limpeza, do atendimento, da comodidade e da oferta de lojas e restaurantes, além do tempo de espera e da acessibilidade dos terminais. E pelo visto, o único aeroporto brasileiro a figurar na lista está longe dos padrões mundiais de excelência.
Em 2011, a Skytrax elegeu o Aeroporto Internacional de Hong Kong, na China, como a principal referência do setor. No segundo e no terceiro lugar aparecem, respectivamente, o Aeroporto Internacional de Changi, em Cingapura, e o Aeroporto Internacional de Incheon, em Seul, na Coreia do Sul.
“A principal diferença dos melhores aeroportos para os do Brasil é o sentido de negócio muito grande que eles têm, não importa se são de administração pública, privada ou mista. Changi, em Cingapura, é um exemplo dos que estão sempre entre os cinco primeiros do mundo, porque tem esta visão”, ressalta Respício do Espírito Santo, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O Changi, um dos principais aeroportos da Ásia, tornou-se referência para excelência na prestação de serviços e ganhou mais de 380 prêmios. Por ali, passam mais de 40 milhões de pessoas por ano. Já o moderno aeroporto Chek Lap Kok, como é popularmente conhecido o aeroporto de Hong Kong, recebe 50 milhões de passageiros por ano e é fundamental para a economia da ilha. Cerca de 60 mil pessoas trabalham no aeroporto, que opera voos de 90 companhias aéreas.
Para se ter uma ideia, os aeroportos brasileiros recebem mais de 110 milhões de pessoas ao ano, número que cresceu à expressiva taxa de 10% ao ano entre 2003 e 2008. Só o aeroporto de Guarulhos recebe 30 milhões de pessoas por ano e emprega 28,2 mil profissionais.
Mas, apesar do crescimento e da demanda, falta correr atrás do prejuízo provocado pela negligência do setor, ressalta Espírito Santo. Segundo ele, o “despertar” para a importância no serviço aéreo brasileiro demorou para acontecer e se deu da pior maneira possível: depois das tragédias envolvendo os aviões da Gol, em 2006, e da Tam, em 2007, e da crise aérea que os acidentes geraram em seguida.
“Aqueles acidentes foram um divisor de águas da modernização da aviação civil no Brasil, foi quando a sociedade começou a pressionar. Na época, questionou-se tudo: a segurança, a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], os aeroportos, o controle do tráfego aéreo… A partir disso, alguma coisa começou a mudar”, diz. “Mas ainda não se vê a aviação como negócio.”
Hoje, o Brasil investe apenas 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto), incluindo o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), em transporte. O percentual é inferior ao que fazem outros países emergentes, como a China, Índia, Rússia, o Chile e até o Vietnã –na casa de 2,7% do PIB. O cálculo não inclui as necessidades de infraestrutura urbana e mobilidade nas cidades.
Investimentos negligenciados
Mesmo com os avanços obtidos desde então, o Brasil ainda corre contra o tempo para reverter quase duas décadas de crescimento econômico –com reflexo na expansão da aviação– que não foi acompanhado de investimentos adequados, dizem os especialistas ouvidos pelo UOL.
“Nos últimos 16 anos, não houve investimentos e a aviação ficou atrasada. Até 2004, estávamos com a metade do que temos hoje [de movimento nos aeroportos] e não se imaginou que o Brasil fosse ter um ‘boom’ econômico, como teve. O planejamento em aeroportos não acompanhou”, destaca o brigadeiro Mauro Gandra, ex-ministro da Aeronáutica.
Especialista em transporte aéreo e professor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Elton Fernandes concorda que a falta de investimento para desenvolver a aviação civil é histórica. Segundo ele, existe um vácuo, que vem desde o tempo em que os militares eram responsáveis pelo setor. “Os militares cuidavam de toda a questão de planejamento. Quando passou para o meio civil, as pessoas continuaram achando que era responsabilidade dos militares”, diz.
“O que se mais se pecou nos sucessivos governos é que não atentaram para a importância da aviação para o Brasil”, completa Respício do Espírito Santo. “É preciso entender que se os serviços não são de excelência para o passageiro, para a empresa aérea, para empresa de carga e de catering [buffet], quem está perdendo é o país.”
Demanda crescente
E com o aumento na renda e no crédito, a demanda dos brasileiros pelos aeroportos só deve aumentar, ressalta a economista e consultora de aviação, Amarylles Romano. Segundo ela, a expectativa é de que a economia brasileira cresça de 3 a 5% ao ano nos próximos cinco anos, o que descarta qualquer chance de recuo no setor aéreo.
O ritmo de crescimento na aviação, que acelerou fortemente a partir de 2004, deve continuar na casa dos dois dígitos por ano. “Apesar ter sido negativo em 2006, a média [de crescimento] foi de 11% por ano, entre 2005 e 2011”, diz ela.
Com isso, a melhora dos serviços prestados é urgente e, segundo os especialistas, não deve ser atrelada aos eventos esportivos, como Copa do Mundo e Olimpíadas – que representam apenas dois meses dentro dos próximos quatro anos.
O superintendente de Gestão de Operacionalidade da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Marçal Goulart, destaca que eventos como o Carnaval e as passeatas como a do Orgulho Gay, por exemplo, apresentam demandas bastante superiores à procura por serviços aéreos prevista para os jogos.
Por isso, o engenheiro aeronáutico e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) na área de transporte aéreo e aeroportos Jorge Leal Medeiros afirma que a prioridade é atender a demanda interna. Segundo ele, a falta de compromisso em cumprir o que foi planejado e a má administração da Infraero, que por muito tempo foi comandada por indicações políticas em vez de técnicas, ajudaram na demora das ações.
Hoje, a maior parte da infraestrutura portuária está a cargo da Infraero, que administra mais de 95% do tráfego aéreo civil. O órgão, segundo levantamento feito pela consultoria americana McKinsey&Company, a pedido do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), não cresceu no mesmo ritmo da demanda e não dá conta do recado.
Melhorias
Estudo divulgado recentemente pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) também apontou que 17 dos 20 principais aeroportos brasileiros (85%) estão em situação “crítica” ou “preocupante”. Desses, 12 estão funcionando acima da capacidade operacional. Apenas os aeroportos de Porto Alegre, Salvador e Manaus funcionam em condições “adequadas”, fora do “cenário de estrangulamento”.
Mas, apesar do longo caminho a percorrer, os especialistas ouvidos mostraram certo otimismo diante da perspectiva de o país conseguir avanços na melhoria de seus aeroportos. Parte do avanço já aconteceu, com o impulso que o setor recebeu com a melhoria da economia brasileira e a redução significativa dos preços das passagens, o que trouxe novos consumidores das classes B e C para o mercado. A liberalização do setor permitiu o acirramento da competição entre as companhias, o que baixou o preço das passagens em média 48% entre 2003 e 2008, segundo o levantamento da McKinsey&Company.
Agora faltam as obras e a valorização da gestão. O ideal, afirmam os especialistas, seria aproveitar a atração de capital estrangeiros e de empresas privadas nacionais para melhorias de médio e longo prazo que ajudem resolver as questões estruturais e que atendam aos visitantes estrangeiros sem fugir da real necessidade das cidades-sede.
“[Para recuperar o tempo perdido], o Brasil precisaria de no mínimo uns cinco anos. Não se resolve só com obras e tecnologia, será preciso reescrever conceitos, práticas, criar novas estratégias e culturas organizacionais”, aposta Respício Espírito Santo.
“Dá tempo das obras emergenciais ficarem prontas [até a Copa de 2014]”, ressaltou Gandra. Mas, como muitas coisas no Brasil, ainda há os problemas “externos”. “Tem sempre a questão do ‘tempo’. Tem que torcer para que não haja mau tempo que feche os aeroportos e entupa as vias que levam aos terminais”, afirmou.
Em janeiro, o ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, disse que os cancelamentos e atrasos no aeroporto Santos Dumont, no Rio, foram causados pela chuva e pelo mau tempo. “Em todo o mundo fecha aeroporto por problema de tempo. Ainda não descobrimos um convênio com Deus para isso”, ironizou.
PPP
O governo brasileiro optou por parcerias público-privadas em seu programa de concessão de aeroportos. Segundo a Infraero, o plano de outorga, que poderá prever novas concessões de terminais brasileiros à iniciativa privada, deve ser concluído em junho e, de acordo com o presidente da entidade, Antônio Gustavo do Vale, também estão previstas medidas de estímulo à aviação regional, como investimentos em aeroportos do interior e rotas aéreas para esses locais.
O orçamento da estatal neste ano para investimentos totaliza R$ 2,37 bilhões, cerca de duas vezes mais do que o do ano passado. “Ele está sendo bem cumprido e não tem nenhum contingenciamento. Pelo contrário, ele pode até aumentar, se houver necessidade. O compromisso do governo é que, do ponto de vista de recursos, não vai faltar nenhum”, destacou Vale.
Neste ano, a Infraero leiloou três aeroportos para entregá-los à iniciativa privada: Guarulhos, em São Paulo, Viracopos, em Campinas (SP), e Juscelino Kubitschek, em Brasília. A administração passa para a iniciativa privada, mas a Infraero mantém 49% das ações dos aeroportos. Segundo o presidente da estatal, para as próximas concessões pode ser necessária uma renegociação desse modelo.
Fonte: Uol Notícias
Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)
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