Moradores buscam escola, hospital e telefone sem saber o próprio estado
Moradores de localidades de 20 municípios – 13 no Ceará e sete no Piauí – buscam serviços com melhor qualidade nas áreas da saúde, educação, energia, telefonia e internet sem ter certeza do estado ao qual pertencem. Desde 2011, o Piauí reivindica no Supremo Tribunal Federal (STF) quase três mil km² de terras do Ceará. Sem definição sobre a área de divisa, a população de povoados cearenses “disputa” escolas, postos de saúde e outros serviços ofertados por cidades piauienses e vice-versa.
Pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a localidade de Sumaré, por exemplo, pertence à cidade de Cocal, a 226 quilômetros de Teresina, no Piauí. Moradores como o agricultor Pedro José de Oliveira, de 72 anos, no entanto, não aceitam a indicação do IBGE e dizem que todas as crianças da área são matriculadas na escola do distrito vizinho, Juá dos Vieiras, em Viçosa do Ceará, a 248 quilômetros de Fortaleza.
Assim como a população de Sumaré, quem vive nas localidades de Conduru, Palmeira dos Ricardos, Gameleira e em outros 15 povoados da região fica confuso com a falta de clareza sobre a divisa.
Também residente de Sumaré, o agricultor Pedro Antônio de Oliveira, 38 anos, explica que todos os documentos dele são de Viçosa do Ceará e que sua família só utiliza hospital, escola e outros serviços no município cearense. “Aqui, os terrenos são registrados em Viçosa do Ceará. Não tem nada do Piauí”, afirma, rebatendo os dados do IBGE. “Apenas em cinco casas, quando vieram fazer o censo, pegaram os nomes das pessoas para ser do Piauí”, diz o morador.
Na casa onde mora e que foi de seu avô, Oliveira diz que funcionou o primeiro cartório de Viçosa do Ceará. Embora use a energia que vem do Piauí, ele garante que os demais serviços que faz uso são do Ceará. A filha, inclusive, é matriculada em uma escola de Viçosa. “Aqui funcionou o primeiro cartório. Teve casamento civil, fizeram registro de criança, fizeram tudo. E sempre a divisa ficava lá embaixo, a uns dois quilômetros daqui. Todos aqui conhecem que [Sumaré] é dentro do Ceará”, defende.
Origem da indefiniçãoA imprecisão começou com decreto imperial de 1880 com base em elementos naturais. Em 1920, houve uma convenção arbitral para definir os territórios, que terminou por ceder parte do litoral do Ceará ao Piauí em troca de algumas faixas de terra. A disputa entre os dois estados se acirrou depois que o Piauí entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto do ano passado, requerendo cerca de 3 mil km² da divisa com o Ceará.
A Procuradoria Geral do Ceará informa que o estado concordou em se submeter a uma tentativa de conciliação por provocação do relator do processo no STF, ministro José Antônio Dias Toffoli. O estado, no entanto, diz que só vai se pronunciar quando receber oficialmente do Piauí as cláusulas dessa conciliação.
O procurador do estado do Piauí, Kildere Souza, diz que trabalha para fazer a conciliação do que considera três áreas marcantes. “A proposta do Piauí foi enviada ao Ceará em 2004, para que escolhesse ficar ou com a parte maior ou com as duas menores”, afirma Kildere.
De acordo com o procurador, o estado do Piauí só entrou com ação no STF porque não recebeu resposta do Ceará. “Falta vontade política porque nunca tivemos resposta do Ceará”, diz. Para ele, “infelizmente”, não há como conseguir unidade em nenhuma dessas áreas. “Já se pensou na possibilidade de um plebiscito. É uma questão complicada porque envolve não só a área, mas o interesse dos municípios”.
Kildere Souza alega que o prejuízo maior está na indefinição. “Os estados não investem ou investem indevidamente. Corre o risco de um estado estar investindo em área de outro. É uma questão que vai trazer alívio para os dois lados”, acredita o procurador.
IBGEO IBGE do Ceará estima que cerca de 29 mil habitantes fizeram parte da contagem de Piauí e Ceará no último levantamento. A contagem da população afeta as verbas do Fundo de Participação dos Municípios, que é proporcional ao número de habitantes. O IBGE informou que fez uma divisão para fins censitários. “Para outros órgãos, continua área de litígio”, explica o chefe do IBGE no Ceará, Francisco José Moreira Lopes.
Em ofício de janeiro de 2011 aos municípios, o IBGE fez uma divisão das regiões referente ao Censo de 2010. As localidades de Boqueirão do Cercado, Baixa do Cedro, Pau Ferro, Oitizeiro, Picui, Socorro, Sabiazal, Santa Cruz, Córrego do Lino, Limoeiro, Limoeirinho, Boaçu, Puxi e Lamarão estão no território de Granja, no Ceará. Os povoados de Olho d’água dos Costas estão divididos entre Viçosa do Ceará e Granja. Já Sumaré foi inserida no território de Cocal, no Piauí.
As áreas onde a indefinição é mais crítica concentram 5.528 habitantes, espalhados por oito distritos. Conduru, Palmeiras dos Ricardos e Grota, estão em Granja, no Ceará (1359 pessoas). Jaboti e Tucuns foram parte para Granja (1359) e parte para Cocal, no Piauí (312). Deus me Livre (526), Sumaré (257) e Campestre (1715) ficaram no Piauí.
Internet e telefoneNa localidade de Padre Vieira, em Viçosa do Ceará, as antenas de telefone apontam para o estado vizinho. Para falar com a população, é preciso discar 86, código do Piauí. “Quando a gente recebe ligação 86, já sabe que é de lá”, afirma o secretário de infraestrutura de Viçosa do Ceará, Sérgio Fontenele.
Caso semelhante acontece no restaurante de Messias Mariano, em frente ao posto fiscal da Secretaria da Fazenda do Ceará, quase na divisa com o Piauí. “O sinal do Ceará não pega aqui”, diz ele, explicando o motivo pelo qual o telefone estampado na fachada é do Piauí, embora esteja em área do Ceará. Já a internet da mesma casa é via rádio pela frequência de Viçosa.
Messias não diz para qual estado prefere pertencer. “Nasci e me criei no Piauí, mas desde a década de 1980 que estou aqui”.
A filha dele, Patrícia Lopes, acrescenta que o local onde mora é mais distante do centro de Viçosa do Ceará (30 km, aproximadamente) do que de Cocal, no Piauí (em torno de 24 km). Mesmo assim, diz que se sente cearense. “Fazemos tudo em Viçosa”, afirma.
Na localidade de Campestre, em Cocal (PI), há um medidor e um distribuidor de energia da Companhia Energética do Ceará (Coelce). Em nota, a empresa informa que o fornecimento de energia ocorre pelo fato da rede da companhia estar mais próxima da área do que da rede da Companhia Energética do Piauí (Cepisa), que é responsável pela manutenção do serviço. Segundo a Coelce, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) permite esse tipo de operação em área de divisas.
Um posto de saúde para toda a regiãoJosé Morais de Oliveira, coordenador do posto de saúde de Juá dos Vieiras, distrito de Viçosa do Ceará, diz que a unidade é ponto de referência de atendimento na região e que, a cada mês, entre 50 e 80 pessoas residentes nas áreas de litígio são recebidas.
O posto de saúde funciona de segunda a quinta, das 8h às 17h. Nas sextas, o funcionamento normal é até o meio-dia para médicos e enfermeiros, e até 17h para o restante da equipe, composta por duas enfermeiras, um médico, um auxiliar de enfermagem, um dentista, um auxiliar de consultório dentário, dois auxiliares administrativos, três serviços gerais e 13 agentes de saúde que vão de moto visitar as famílias nas localidades.
INSS O agricultor Pedro Antônio de Oliveira relata problema que os moradores de Sumaré enfrentam com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Na sede do INSS em Viçosa do Ceará, os moradores da localidade foram informados que pertencem ao Piauí. Segundo Oliveira, todos os comprovantes das famílias são do Ceará.
O gerente da agência do INSS de Viçosa do Ceará, Diego Freire Prado, diz não ter informações sobre problemas de atendimento. “A gente tem jurisdição nacional. Então, quem chega nós atendemos”, afirma.
Fonte: G1
Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)
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