Venda de instrumentos musicais baseados em peças indígenas na Copa vira polêmica
O governo federal perdeu uma grande oportunidade de reforçar a importância do legado afroindígena para o país, analisam especialistas ligados à preservação e à promoção das culturas tradicionais e ao direito intelectual. Na semana passada, o Grupo Executivo da Copa do Mundo de Futebol de 2014 (Gecopa) incluiu a caxirola (uma espécie de chocalho) e o pedhuá (tipo de apito), instrumentos musicais inspirados em objetos centenários indígenas e africanos, entre os projetos privados que visam a promover o Brasil em função do evento. A decisão surpreendeu especialistas da área cultural.
No total, 96 projetos foram selecionados pelo governo, o que não significa que eles receberão investimentos públicos. Em termos de mídia, contudo, a chancela do grupo coordenado pelo Ministério do Esporte alçou o chocalho e o apito de plástico à condição de instrumentos oficiais da Copa – considerados, pela imprensa, como substitutos das vuvuzelas que fizeram sucesso no Mundial da África do Sul, em 2010.
Para especialistas como Josilene Magalhães, diretora substituta do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura e voltada à promoção e preservação da cultura afro-brasileira, o reconhecimento aos dois projetos precisa ser mais bem discutido a fim de evitar prejuízos às cultura tradicionais.
“Patentear esses instrumentos é um desrespeito à cultura tradicional. Somos contrários ao registro desses objetos pela iniciativa privada sem que as comunidades tradicionais que criaram os instrumentos originais sejam beneficiadas”, disse Josilene à Agência Brasil se referindo ao pedido de registro das marcas e patentes desses instrumentos que chegou ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) no final de 2011. Segundo a assessoria do Inpi, o processo de reconhecimento de uma marca demora, em média, cerca de 2,5 anos para ser concluído. Já o de uma patente costuma demorar, em média, 4,5 anos. A venda desses instrumentos no país, no entanto, não depende da concessão da patente pelo instituto.
A caxirola e o pedhuá foram apresentados oficialmente na última quinta-feira (27), durante cerimônia de certificação dos projetos de promoção do país. Inspirada no caxixi, instrumento de percussão comum em rodas de capoeira, a caxirola foi apresentada pelo músico baiano Carlinhos Brown em parceria com a agência multinacional The Marketing Store, responsável por viabilizar o projeto de produzir até 190 milhões de unidades do instrumento, cuja estimativa de preço mínimo ainda não foi definida.
Já o pedhuá, inspirado no apito de origem indígena de mesmo nome usado para atrair pássaros, foi apresentado pelo professor de educação física e empresário paraibano Alcedo Medeiros de Araújo. À Agência Brasil, Medeiros disse que a expectativa inicial é produzir ao menos 50 milhões de apitos de plástico, de diferentes modelos, incluindo um com rádio FM. A estimativa é que o modelo mais simples seja vendido por, no máximo, R$ 10.
“É importante que a inspiração nos instrumentos originais esteja sendo reconhecida, mas não é porque a matéria-prima original vai ser substituída para permitir a produção em larga escala que o ganho deve ser exclusivamente da iniciativa privada”, disse Josilene, rebatendo o argumento dos responsáveis pela caxirola e pelo pedhuá de que a opção pelo plástico, para garantir a produção em larga escala e as mudanças no design dos instrumentos, justificam a concessão das patentes.
“É necessário discutir melhor a questão da propriedade intelectual e como recompensar os povos tradicionais por iniciativas como essas”, completou Josilene, adiantando que, além de buscar mais informações no Ministério do Esporte, a Fundação Palmares levará o assunto ao grupo do Ministério da Cultura que discute formas de reconhecer e garantir os direitos autorais das comunidades tradicionais.
Ex-diretor do Memorial dos Povos Indígenas de Brasília, Marcos Terena criticou as atuais normas de propriedade intelectual e lamentou a falta de visão estratégica do Grupo Executivo da Copa do Mundo. Para ele, o governo deveria pensar em como beneficiar os artesãos e os povos tradicionais pelo uso de seus conhecimentos. “A regra da propriedade intelectual funciona assim: quem chega primeiro e registra algo se transforma em dono, mesmo que não seja. O problema é que, do ponto de vista moral, esses objetos pertencem às tradições indígenas e africanas. Não dá para dizer que algo de plástico seja autêntico e representativo da nossa cultura. Cabe ao governo decidir se isso é algo realmente capaz de marcar ou se vamos simplesmente fazer como os países asiáticos com sua capacidade de transformar produtos de outros países em cópias mais baratas, de plástico, se continuará reconhecendo nossas influências sem nos ajudar a romper nossa invisibilidade.”
Quando procurada pela reportagem, a etnomusicóloga, colecionadora de instrumentos musicais e pesquisadora baiana, Emília Biancardi, só tinha conhecimento da caxirola, projeto de Brown, que considera uma recriação criativa, adequada ao uso nos estádios, capaz de produzir um som mais alto que o do caxixi original e que, por ser de plástico, é mais resistente e durável que o tradicional. A pesquisadora, contudo, disse não discordar totalmente das críticas. Para ela, o episódio demonstra a pouca preocupação brasileira com a preservação do legado das culturas tradicionais e das manifestações folclóricas.
“A caxirola é uma releitura, uma recriação. Não há nada de errado nisso. Quem quiser e souber recriar algo que o faça, desde que não esconda a origem de sua ideia. Nesse sentido o Carlinhos Brown foi honestíssimo, disse ter se inspirado no caxixi, que há séculos já era encontrado entre povos africanos e indígenas. Se ele fez isso, se apresentou a ideia ao ministério, é porque teve liberdade e apoio para fazer. Se algo nesse processo é questionável é [o fato de o grupo executivo] não ter pensado nessas questões antes”, disse Emília.
Especialista em direito da propriedade intelectual, o advogado José Carlos Vaz e Dias também considera que faltou cuidado das autoridades ao promover iniciativas privadas sem atentar para a proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Ao contrário dos responsáveis pela caxirola e pelo pedhuá, o advogado acha difícil que o Inpi conceda os registros de marca e patente aos novos objetos.
“Qualquer um pode pedir um registro de marca ou patente, mas para obtê-lo é preciso preencher alguns requisitos, como o critério de novidade ou o salto inventivo. Eu entendo que as chances dessas patentes serem concedidas são pequenas porque deixar de produzir um produto com madeira para fazê-lo de plástico não é, a meu ver, o suficiente”, disse o advogado. “A questão mais importante, contudo, é se as comunidades tradicionais não têm direito a receber algo pela comercialização de objetos inspirados em seus costumes e em seu folclore. E, se têm, como fazer isso”, concluiu Vaz e Dias.
Procurado pela reportagem, o Inpi informou, por meio da assessoria, que não pode se manifestar sobre assuntos em análise. O Ministério do Esporte destacou que todos os 96 projetos foram selecionados por meio de chamada pública, a partir de regras e critérios claros, estabelecidos em conformidade com a estratégia de promoção do país. Além disso, ressaltou que a aprovação governamental não garante qualquer aporte de patrocínio e que os autores dos projetos selecionados são responsáveis pelas questões legais.
Coordenado pelo Ministério do Esporte, o Grupo Executivo da Copa do Mundo (Gecopa) é integrado por representantes da Casa Civil, dos ministérios das Cidades, da Fazenda, da Justiça, do Planejamento, do Turismo e da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República. O grupo conta ainda com o auxílio jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU). Todos os projetos aprovados foram previamente selecionados por uma comissão especial composta por representantes dos ministérios da Cultura, das Relações Exteriores, do Turismo e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
“Desde o começo, quando o [músico baiano] Carlinhos Brown nos procurou para viabilizar o processo produtivo da caxirola, há um ano e meio, já tínhamos em mente que o instrumento precisava do reconhecimento do governo para que pudesse ter aceitação nacional e pudéssemos oferecer um instrumento democrático, acessível, de massa. A chancela do Ministério [do Esporte] dá autenticidade e credibilidade para que sigamos com o projeto”, disse à Agência Brasil o vice-presidente de Negócios da The Marketing Store, agência multinacional responsável por viabilizar o projeto de produzir cerca de 190 milhões de unidades da caxirola, instrumento de percussão inspirado no caxixi, de origem africana.
“A chancela do governo é o pontapé inicial. É importantíssima para o desenvolvimento do projeto”, avaliou o professor de educação física paraibano Alcedo Medeiros de Araújo, autor do projeto Pedhuá – O Som do Brasil na Copa. Ele apresentou ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) o pedido de registro de marca e patente do apito de plástico desenvolvido a partir do instrumento originalmente usado por indígenas para atrair aves.
Com a inclusão do projeto entre as 96 iniciativas privadas escolhidas por seleção pública pelo grupo executivo da Copa, Medeiros estima comercializar ao menos 50 milhões de apitos de diferentes modelos. O mais simples deverá custar R$ 10. Calculando por baixo, o apito poderá movimentar algo em torno de meio bilhão de reais.
Medeiros e Júnior confirmaram a negociação de parceria, nos moldes da que a agência fechou com Carlinhos Brown, para viabilizar a produção em larga escala do instrumento.
Os dois também foram categóricos: os projetos são inovadores, visam a disseminar o uso e o conhecimento a respeito dos instrumentos tradicionais em que se inspiraram. Além disso, na avaliação deles, haverá ainda o ganho com a preservação do meio ambiente, já que a utilização de matérias-primas como a madeira e o sisal (usadas nos instrumentos originais) seria insustentável e inviabilizaria a produção da quantidade necessária a um evento do porte da Copa do Mundo.
“A essência do projeto da caxirola é a democratização do instrumento por meio da produção em larga escala. Isso, além de baratear o produto, nos permitirá ter um padrão. O pedido de patente, portanto, não tem a ver com a origem da inspiração, mas principalmente com as inovações necessárias para tornar viável a produção em larga escala. Criamos um novo produto e é a partir dessa nova composição técnica que solicitamos a patente”, disse Britto Júnior, estimando a criação de 4 mil empregos com a iniciativa.
“Para um evento como a Copa do Mundo, a produção tem que ser em escala industrial. Se fôssemos fazer o pedhuá com matéria-prima natural, conforme a tradição, degradaríamos a natureza assustadoramente”, argumentou Medeiros. “A patente que eu solicitei ao Inpi é relativa ao instrumento que eu reconstruí com um novo design, com um projeto industrial e uma marca que é esquecida, mas que vamos retomar e que será de utilidade para o país. Antes eu, no Brasil, com esta patente do que um japonês como o que queria patentear o cupuaçu. Isso, sim, seria um absurdo.”
Medeiros destacou que, como o seu pedido de patente diz respeito ao processo de fabricação industrial do pedhuá de plástico, os artesãos e as comunidades que produzem apitos em pequena escala poderão continuar vendendo seus produtos. Da mesma forma, o torcedor, mesmo durante a Copa do Mundo, poderá levar aos estádios o modelo que preferir.
“Queremos contribuir para promover a imagem do Brasil, apoiar artesãos e ONGs indígenas e ajudar na preservação da natureza e na prática esportiva em geral”, acrescentou Medeiros. “Estimulando o uso do pedhuá, vamos dar nova utilidade ao instrumento, que, hoje, é usado principalmente para a caça de pássaros. Sei que meu trabalho é idôneo, que minhas intenções são as melhores possíveis e que minha ideia é inovadora”, reforçou Medeiros.
CRIADORES
Os responsáveis pelos projetos da caxirola e do pedhuá – os dois instrumentos musicais escolhidos pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo de Futebol de 2014 (Gecopa) para representar e promover a imagem do Brasil por ocasião do evento esportivo – destacaram a importância do reconhecimento governamental a suas iniciativas e rebateram as críticas de que tentam se apropriar de objetos tradicionais africanos e indígenas de domínio público para faturar.
“Desde o começo, quando o [músico baiano] Carlinhos Brown nos procurou para viabilizar o processo produtivo da caxirola, há um ano e meio, já tínhamos em mente que o instrumento precisava do reconhecimento do governo para que pudesse ter aceitação nacional e pudéssemos oferecer um instrumento democrático, acessível, de massa. A chancela do Ministério [do Esporte] dá autenticidade e credibilidade para que sigamos com o projeto”, disse à Agência Brasil o vice-presidente de Negócios da The Marketing Store, agência multinacional responsável por viabilizar o projeto de produzir cerca de 190 milhões de unidades da caxirola, instrumento de percussão inspirado no caxixi, de origem africana.
“A chancela do governo é o pontapé inicial. É importantíssima para o desenvolvimento do projeto”, avaliou o professor de educação física paraibano Alcedo Medeiros de Araújo, autor do projeto Pedhuá – O Som do Brasil na Copa. Ele apresentou ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) o pedido de registro de marca e patente do apito de plástico desenvolvido a partir do instrumento originalmente usado por indígenas para atrair aves.
Com a inclusão do projeto entre as 96 iniciativas privadas escolhidas por seleção pública pelo grupo executivo da Copa, Medeiros estima comercializar ao menos 50 milhões de apitos de diferentes modelos. O mais simples deverá custar R$ 10. Calculando por baixo, o apito poderá movimentar algo em torno de meio bilhão de reais.
Medeiros e Júnior confirmaram a negociação de parceria, nos moldes da que a agência fechou com Carlinhos Brown, para viabilizar a produção em larga escala do instrumento.
Os dois também foram categóricos: os projetos são inovadores, visam a disseminar o uso e o conhecimento a respeito dos instrumentos tradicionais em que se inspiraram. Além disso, na avaliação deles, haverá ainda o ganho com a preservação do meio ambiente, já que a utilização de matérias-primas como a madeira e o sisal (usadas nos instrumentos originais) seria insustentável e inviabilizaria a produção da quantidade necessária a um evento do porte da Copa do Mundo.
“A essência do projeto da caxirola é a democratização do instrumento por meio da produção em larga escala. Isso, além de baratear o produto, nos permitirá ter um padrão. O pedido de patente, portanto, não tem a ver com a origem da inspiração, mas principalmente com as inovações necessárias para tornar viável a produção em larga escala. Criamos um novo produto e é a partir dessa nova composição técnica que solicitamos a patente”, disse Britto Júnior, estimando a criação de 4 mil empregos com a iniciativa.
“Para um evento como a Copa do Mundo, a produção tem que ser em escala industrial. Se fôssemos fazer o pedhuá com matéria-prima natural, conforme a tradição, degradaríamos a natureza assustadoramente”, argumentou Medeiros. “A patente que eu solicitei ao Inpi é relativa ao instrumento que eu reconstruí com um novo design, com um projeto industrial e uma marca que é esquecida, mas que vamos retomar e que será de utilidade para o país. Antes eu, no Brasil, com esta patente do que um japonês como o que queria patentear o cupuaçu. Isso, sim, seria um absurdo.”
Medeiros destacou que, como o seu pedido de patente diz respeito ao processo de fabricação industrial do pedhuá de plástico, os artesãos e as comunidades que produzem apitos em pequena escala poderão continuar vendendo seus produtos. Da mesma forma, o torcedor, mesmo durante a Copa do Mundo, poderá levar aos estádios o modelo que preferir.
“Queremos contribuir para promover a imagem do Brasil, apoiar artesãos e ONGs indígenas e ajudar na preservação da natureza e na prática esportiva em geral”, acrescentou Medeiros. “Estimulando o uso do pedhuá, vamos dar nova utilidade ao instrumento, que, hoje, é usado principalmente para a caça de pássaros. Sei que meu trabalho é idôneo, que minhas intenções são as melhores possíveis e que minha ideia é inovadora”, reforçou Medeiros.
Fonte: Agência Brasil
Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)
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