Mais uma morte do período da Ditadura Militar (1964-1985) foi esclarecida ontem (3) pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara. O laudo tanatoscópico e a cópia do ofício de remoção do cadáver de Ezequias Bezerra da Rocha, desaparecido em 11 de março de 1972, foram encontrados pela professora Carolina Cahu, no acervo do Instituto de Medicina Legal de Pernambuco (IML-PE). Os documentos desmentem a versão oficial, que sustenta um suposto tiroteio entre integrantes do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e as forças de repressão do período. O laudo comprova que Ezequias foi submetido a tortura e não resistiu.

De acordo com o laudo, o corpo foi encontrado na barragem do Bambu, em Escada, com as mãos e pés amarrados por cordas, envolto em uma rede e com uma pedra de 30 kg atada ao cadáver. Porém, até hoje, os familiares não sabem onde ele foi enterrado. De acordo com a relatora do caso, Nadja Brayner, há informações de que a maioria dos corpos eram enterrados como indigentes no Cemitério da Várzea e, após 3 anos, transferidos para uma vala comum chamada de “buraco negro”.

Em virtude de um Projeto de Catalogação referente ao período de 1925 a 1979, o acervo do IML está sob guarda do Arquivo Público. O documento que detalha as evidências da morte de Ezequias não estava disposto dentro da ordem arquivística, o que de certa forma o mantinha oculto. “Como era uma história que eu já conhecia, a transcrição do ofício feita pelo legista contribuiu para que eu identificasse que se tratava de Ezequias. Informei ao IML e encaminhei para a Comissão”, explicou Carolina Cahu.

Solicitado pelo Tenente Bartolomeu Ferreira de Melo, o laudo descreve em detalhes as consequências da tortura e indica, inclusive, que o corpo teria sido deixado no local por uma Rural Ford, verde e branca, sem placa. “Choque, decorrente de traumatismo cranioencefálico e do tronco, e ferimento penetrante de abdômen, respectivamente, por instrumento contundente e pérfuro-cortante. Trata-se de morte por homicídio”, confirma o documento. O laudo foi entregue a Ednaldo Bezerra, irmão de Ezequias, pelo coordenador da Comissão da Verdade, Fernando Coelho.

“Passados 41 anos, é com imenso pesar que a gente chega a mais um passo concreto de quando ele foi morto. Sabíamos que ele tinha sido sequestrado, preso e torturado, mas o detalhe da autópsia é que é extremamente traumático”, disse Ednaldo. Há 21 anos, a família entrou com um processo responsabilizando a União pela morte de Ezequias. O processo já foi julgado e a família ganhou em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Agora, na fase de execução da sentença, nenhum novo documento poderá ser anexado. “Até chegar ao STF demorou mais de 20 anos. Depois que nós ganhamos em todas as instâncias, o processo voltou para a fase de execução, que tem sido extremamente tumultuada por conta da União. Através dos advogados tentam discutir matérias blindadas pela sentença tramitada e julgada. De maneira maldosa, com abuso dentro do processo”, afirmou o advogado Frederico Barbosa, com a perspectiva que a fase de execução irá durar cerca de 10 anos.

No período de tramitação do processo quatro irmãos de Ezequias faleceram. Para agilizar a conclusão, os advogados da família utilizam o Estatuto do Idoso, que prevê prioridade no julgamento. O final do processo pode resultar em uma indenização para a família por danos morais e materiais. Ezequias Bezerra era geólogo e recebia aproximadamente 6 salários mínimos. Para reparar os danos, deverá ser feita uma projeção de vida útil, de 65 anos na época, e aplicar juros e correção.

Com o laudo apresentado, a Comissão solicitará à Justiça uma certidão de óbito retificada. “A gente supunha o grau de violência, mas constatar a barbárie é algo que nos conforta por um lado, pois conseguimos revelar isso. A impunidade era tamanha que nesse caso o corpo não tinha identidade. A Comissão se sente recompensada sim, porque o nosso trabalho é fazer esse resgate, por mais doloroso que seja”, afirmou a relatora Nadja Brayner.

Fonte: JC online

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)