‘Dança da garrafa’ de Miley Cyrus reabre ferida racial nos EUA

“Twerk.” Se você ainda não sabe o que é, pode consultar o dicionário Oxford, que acaba de incorporar o polêmico vocábulo à língua inglesa.

Polêmico porque foi, digamos, o ponto forte da escandalosa performance da ex-Hannah Montana do seriado infantil da Disney, agora turbinada diva teen Miley Cyrus, no Video Music Awards da MTV no último domingo.

No dicionário, “twerk” significa “dançar de modo provocador com movimentos projetando e retraindo o quadril em posição agachada”.

Alguém aí se lembra da dancinha da garrafa? Enquanto o “twerk” vira uma febre nos Estados Unidos, e quando realizado de forma mais extática pode até incluir tapinhas na bunda de colegas na pista de dança, brasileiros sabem do que se trata desde os primórdios do axé.

Mas o escândalo em torno de Miley Cyrus é outro. Na América de Barack Obama e 50 anos depois do célebre discurso do sonho de Martin Luther King, uma nação puritana vê no “twerk” um racha racial de grandes proporções.

Tão grandes quanto os glúteos avantajados das dançarinas –todas negras– no palco da premiação da MTV.

Enquanto Cyrus, diminuta e trajando biquíni nude, reencarnava uma espécie de Barbie epiléptica e clean, seu pano de fundo eram voluptuosas, para não dizer gordas, mulheres negras que enfatizavam sua fina brancura.

Pelo menos essa foi a interpretação de uma influente blogueira feminista e negra. Tressie McMillan Cottom disse ver na dança de Cyrus “uma tentativa insensível de afirmar sua sexualidade à custa de uma apropriação cultural de corpos negros”.

Apropriação porque esse tipo de movimento até aqui foi prerrogativa das negras na indústria do pop americano.

Impossível esquecer Beyoncé, a maior diva negra do país, que já cantou até o hino nacional para Obama, em sua fogosa performance da clássica “Bootylicious”.

Sua letra já dizia para “mexer o corpo para cima e para baixo, fazendo o bumbum tocar o chão”. E exigia do parceiro que estapeasse suas coxas, balançasse seus cabelos.

Não é nada perto das estripulias e da “vontade de dar” da brasileiríssima Valesca Popozuda. Mas ninguém pergunta que cor têm Popozuda e suas amigas funkeiras.

Parece estar em jogo nos EUA uma perda da inocência que resvalou para a desagradável lembrança da segregação racial. Cyrus, uma espécie de Sandy americana, matou seu alter ego fofinho e quer se mostrar uma “vadia”.

E isso incomoda. Um ano antes do discurso de Luther King, Ralph Ellison publicou “Homem Invisível”, clássico sobre a invisibilidade social dos negros. Eles já não são invisíveis e, à revelia de Cyrus e seu bumbum, querem de volta sua parte do baile.

Fonte: Folha.com

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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