Exemplo: Representante da aldeia Atikum, de Salgueiro, é primeiro médico de origem indígena formado no País

Na vitrine do desenvolvimento econômico capitaneado pelos governos estadual e federal, o município de Salgueiro (PE), no Sertão Central, consegue ser destaque também por outros motivos. E longe dos seus rincões. No início deste mês o salgueirense Josinaldo da Silva, de 35 anos, foi o centro das atenções na capital federal, durante a colação de grau da 85ª turma de medicina da Universidade de Brasília (UnB), uma das mais importantes instituições do país. Ele seria mais um estudante a ver seu sonho de virar médico transformado em realidade, não fosse por um detalhe: Josinaldo pertence à tribo indígena Atikum, oriunda de Salgueiro.

Na colação de grau, ocorrida no auditório do Quartel General do Exército, Josinaldo estava como manda a tradição: recebeu seu diploma das mãos de um pajé. Na cabeça do formando, um cocar de penas de gavião, adorno tradicional indígena que apropriadamente substituiu o capelo da beca. O fato ganhou espaço nos principais veículos do País e transformou Josinaldo, por alguns momentos, numa ‘celebridade’.

Nada mal para um garoto que conheceu, muito cedo (aos 8 anos), a dura lida no campo, quando começou a trabalhar com sua mãe nas colheitas de algodão. Josinaldo nunca encarou com naturalidade a dureza da vida no sertão. A falta de água, o acesso limitado, quase nulo, à saúde e à educação, e a pobreza endêmica dos conterrâneos deixaram uma marca nele. “Esse sofrimento sempre me tocou. É uma região muito sofrida e eu queria ajudar“, diz.

Em 2001, aos 22 anos, o rapaz se tornou agente de saúde. Mais ou menos nessa época, surgiu o desejo de ser médico. “As pessoas me diziam: ‘você está pensando alto demais’”, relembra. O irmão mais velho, Orlando, resume a sensação: “A gente vem de um lugar onde as pessoas não têm sonhos”.

Antes de cursar Medicina, optou por fazer Matemática no Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco. O curso seguia para o sexto semestre quando ele descobriu, em 2006, que a UnB e a Fundação Nacional do Índio (Funai) haviam fechado um convênio para facilitar o ingresso de índios na universidade como parte do sistema de cotas criado pela instituição.

O pernambucano fez a prova do vestibular para Medicina no Recife. Não sabia que 400 pessoas disputavam duas vagas. Pouco confiante com o desempenho, ele jurou que não tinha passado. Na primeira ligação que recebeu da Funai, achou que fosse trote. Quando a UnB e um jornal pernambucano ligaram para dizer a mesma coisa, Josinaldo finalmente acreditou.

O rapaz ficou entre um concurso e um sonho. “Eu poderia ter a estabilidade de um professor em Pernambuco ou largar tudo e vir para Brasília. Mas vi a oportunidade de realizar um sonho”, afirma. Com R$ 900 de bolsa, ele e outros 12 índios de todo o país desembarcaram em Brasília sem a menor noção do que a capital brasileira reservava a eles. “Era a mesma coisa que dar R$ 5 mil a uma pessoa da cidade e jogá-la na floresta. Ela não conseguiria fazer nada”, diverte-se. “Até o dia em que conhecemos a dona Socorro, uma pessoa muito boa, que nos aceitou na casa dela. Foi muito difícil romper o vínculo com a nossa comunidade e com a vida que a gente conhecia antes”, relembra.

Dificuldades e preconceito

Na UnB, Josinaldo teria de passar por outras provações. “Medicina é um curso de elite. Foi custoso me sentir à vontade. Encontrei preconceito, primeiro, por ser pobre; depois, por ser índio; e depois, por ser nordestino. No início, eu era sempre o cara que sobrava na hora de fazer trabalho em grupo”, conta. O semestre inicial foi o mais difícil. O pernambucano reprovou em duas matérias, mas viu as dificuldades acadêmicas e sociais como um desafio. “Aquilo me incentivou a me superar“.

E assim foi feito. Ele diz que, aos poucos, conseguiu o respeito dos colegas. Não era o melhor da turma, tampouco o pior. Fez amigos e entendeu a lógica de uma cidade grande. Aprovado nas provas finais, ele estaria no mesmo palco que os colegas na formatura da mais recente turma de medicina da UnB. Dona Luzia Silva, 68 anos, nem acreditou quando viu o filho formado. O rosto marcado por uma história tão difícil pendulava entre o sorriso e o choro de emoção. “Vê, minha filha, se eu ia imaginar que aquele menino criado no mato ia virar doutor? É muita felicidade“, deixa escapar, se emocionando mais uma vez.

A ideia de Josinaldo, agora, é fazer a residência em saúde da família em alguma unidade pública do Distrito Federal. O Dr.Josinaldo vai combinar a sabedoria da medicina indígena tradicional aos conhecimentos obtidos na universidade. Depois disso, ele quer mesmo é voltar ao sertão. Diz que precisa cumprir uma promessa. “Eu vou tentar ajudar o meu povo. Se eu cheguei até aqui, tem mérito meu, mas muito mérito deles”, agradece.

Fonte: Site da UnB

 

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