Pessimismo pré-Copa é recorrente em países-sede e pode ser positivo

Apenas dois anos antes da Copa do Mundo de 2006, a Alemanha foi descrita pelo ex-presidente alemão Johannes Rau como um caso de “depressão coletiva”. Na África do Sul, em março de 2010, falava-se sobre “combater o afropessimismo”, para mostrar ao mundo que o país seria naquele ano capaz de realizar o maior evento do futebol mundial sem caos nos transportes, episódios de violência contra turistas e acidentes nos estádios. Soa familiar?

O “pessimismo pré-torneio”, que é representado no Brasil pela expressão “imagina na Copa”, é um dos fenômenos mais conhecidos em países prestes a receber grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. No Brasil, ele se mistura ao “complexo de vira-lata”, sentimento de inferioridade brasileiro em relação ao resto do mundo, descrito pelo dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues.

“Nós temos mais motivos para ser pessimistas. O temperamento do brasileiro vem de um trauma já acumulado de frustrações relacionadas à corrupção de empresários e do poder público. Isso cria um círculo vicioso, uma predisposição para afetos negativos, que acaba sendo confirmada pela realidade”, disse à BBC Brasil o filósofo e psicanalista André Martins Vilar de Carvalho, da UFRJ.

“Como se não bastasse o traumatismo contínuo na história, ainda temos problemas como o do (estádio) Engenhão, que foi construído há cinco anos para os Jogos Pan-Americanos. Seria um legado para a cidade, e agora descobrimos que o teto pode cair. É difícil ter expectativas positivas com essa herança.”

Impotência

O sentimento, de acordo com o filósofo, é de impotência diante das “oportunidades perdidas” pelos governantes e pelas empresas ? aproveitar os eventos esportivos para corrigir o histórico de más gestões do patrimônio público e a imagem do país no mundo.

Um levantamento da consultoria alemã Sport+Markt diz que o pessimismo sobre os preparativos para o Mundial chega a atingir 83,8% dos brasileiros. Pelo menos um quarto dos entrevistados disse que o país “está sem condições de realizar a Copa 2014”.

Mas iniciativas da sociedade civil como o projeto “Imagina na Copa”, que reúne ações positivas de grupos nas 12 cidades-sede do Mundial de 2014 sobre problemas cotidianos dos cidadãos, tem o papel de diminuir a sensação de impotência associada ao pessimismo, segundo Martins.

“A riqueza de uma democracia se faz pela diferença de aspectos que cada situação traz. É bom que uma mesma situação gere ações construtivas e críticas.”

“Eu posso estar pessimista e fazer algo a respeito. Essa ideia de aproveitar a Copa mesmo que os governos não estejam aproveitando é muito importante”, diz.

‘Sensação boa’

“Sempre há pesquisas sobre a ‘sensação boa’ desses grandes eventos esportivos, mas ninguém fala sobre a ‘sensação ruim'”, disse à BBC Brasil Simon Chadwick, professor e diretor do Centro Internacional para Negócios do Esporte da Universidade de Coventry, na Grã-Bretanha.

“Quando você ganha o direito de receber um grande evento esportivo, abre espaço para muito escrutínio da mídia e de outros grupos. Em 2004 havia uma preocupação muito séria também sobre a capacidade da Grécia de receber os Jogos Olímpicos, em parte como o que se vê no Brasil. Falava-se muito sobre a corrupção e a construção das arenas.”

Segundo Chadwick, o pessimismo é “uma parte normal da arquitetura do ‘pré-torneio'” e parte dele pode até mesmo ser um tanto exagerada. “A mídia quer gerar conteúdo, e os grupos de pressão querem passar uma mensagem, que acho que, no Brasil, é sobre corrupção. Mas o Brasil precisa começar a se defender”, afirma.

Se defender, para o especialista, significa “administrar as mensagens” sobre a preparação para os a Copa e a Olimpíada no Brasil e tentar “recriar a marca do país”. Essa é considerada, por Chadwick e outros analistas, a fórmula do sucesso nas Copas do Mundo da Alemanha, em 2006, e da África do Sul, em 2010, além da Olimpíada de Londres 2012.

Em pesquisas de opinião feitas pela BBC em 2003, quando foi lançada a candidatura de Londres para receber os Jogos Olímpicos em 2012, leitores já se dividiam entre os que consideravam o evento importante para a cidade e os que diziam que “os britânicos não têm que pagar por esse evento” e que “o dinheiro seria melhor gasto em atividades esportivas nas comunidades mais pobres do país”. Outros demonstravam ceticismo a respeito da capacidade do sistema de transportes da cidade e da “falta de interesse” dos londrinos nos esportes.

No período até os Jogos, a cidade também enfrentou a crise financeira, protestos populares em 2011, greves nos transportes e até mesmo incidentes como o alagamento da estação de metrô de Stratford, causada justamente pelas obras da Olimpíada. Londres e os londrinos, no entanto, foram aprovados com louvor por comentaristas de todo o mundo como anfitriões.

Segundo Chadwick, o pessimismo foi “uma grande força motivadora” para os organizadores dos Jogos.

“Nos anos anteriores (à candidatura de Londres), os britânicos provaram que não são muito organizados. Se você olhar para a construção do Domo do Milênio (espaço multiuso inaugurada em 2000) – que ironicamente, foi usado depois como arena nos Jogos Olímpicos – aquilo foi um desastre”, relembra.

“Havia a preocupação de que nós cometeríamos grandes erros e não conseguiríamos entregar o que prometemos. Mas o que os Jogos mostraram é que nós somos capazes de realizar grandes projetos no prazo e no orçamento. Foi uma espécie de redefinição da marca Grã-Bretanha.”

Efeito paradoxal

Chadwick diz que a diferença entre o pessimimo pré-torneio na Inglaterra e no Brasil é o fato de que a Copa do Mundo se espalha por todo o país, enquanto que o debate sobre a Olimpíada excluiu a maior parte da Grã-Bretanha. “A Copa do Mundo e a Olimpíada são bem diferentes, porque a Olimpíada tem um caráter mais regional, e as pessoas se sentem menos incluídas. Mas o Brasil está na posição única de receber os dois.”

O risco, segundo o especialista, é que depois dos eventos a discussão sobre os benefícios e problemas causados a longo prazo pelos eventos seja dissipada em meio a outros problemas.

“Em Londres, um ano depois, ainda não tivemos esse debate. As pessoas estão mais preocupadas com terrorismo e com a situação econômica. Para os políticos isso é bom, porque não estamos falando sobre o legado”, afirma.

“No Brasil pode acontecer uma espécie de ‘fadiga dos eventos’. As pessoas vão estar cansadas e não vão querer falar sobre isso, mas é muito importante.”

Porém, se a desconfiança da população, ao menos antes das competições, inspira mais cobrança e denúncias, André Martins Vilar de Carvalho também alerta para o efeito contrário: “o pessimismo paradoxalmente faz com que as pessoas, apesar de reclamarem, aceitem, porque no fundo elas se sentem impotentes”. O ideal seria um “otimismo crítico”, aliado à sensação de contribuir com a construção da sociedade.

“Eu me considero um otimista, apesar do meu pessimismo em relação às empresas e aos governos. Acho que, quanto mais houver iniciativas diversas e positivas, o lado bom do pessimismo e o lado bom do ufanismo se somam para a maturidade da coletividade. Para citar (o poeta) Paulo Leminski, ‘distraídos venceremos’.”

“Fiquei feliz quando o Brasil conseguiu a Copa do Mundo e a Olimpíada, mesmo que não consigamos tudo o que poderíamos. Mesmo que desperdicemos algumas oportunidades desses dois eventos, ainda vai ser positivo. Se não tivéssemos, seria pior”, diz.

Fonte: Folha.com

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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