‘Só consegui estudar no cemitério’, diz ex-coveiro que fará prova da OAB

Para a maioria das pessoas, cemitérios são locais onde tudo morre, vira pó e passado. Alguns chegam a ter medo de pôr os pés no lugar. Mas para Hamilton Correia da Silva, 44 anos, estar em meio aos túmulos, enterrando cadáveres, abriu as portas para uma vida nova. Hoje, ele admite que o trabalho como coveiro foi fundamental para a conquista de um sonho: entrar na universidade. “Estava parado há 16 anos antes de voltar à sala de aula e fazer uma graduação. O cemitério foi o único lugar onde consegui estudar”, conta. Neste domingo (28), já bacharel em Direito depois de 5 anos de dedicação, Hamilton encara o 10° exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

De família humilde, Hamilton fez de tudo um pouco antes de aceitar o emprego no cemitério de Vila Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, cidade onde reside. Imprimiu estampas em camisas, fez bico de eletrotécnico, foi auxiliar de serviços gerais e operou máquinas em uma fábrica de bebidas. “Minha mãe sempre colocou a educação em primeiro plano, mas a falta de condição não me permitiu concluir os estudos quando era mais novo. Estudar no Brasil é caro e difícil”, comenta.

A chegada dos filhos – ele foi pai pela primeira vez aos 14 anos – também contribuiu para o afastamento da escola. “Comecei a trabalhar cedo para sustentar minha família”, diz. A vaga no serviço fúnebre surgiu após passar dois anos desempregado. “Minha esposa trabalhava na parte administrativa do cemitério e passei a acompanhá-la porque estava parado. Um dia, um dos coveiros faltou ao trabalho e ajudei a fazer um enterro. O sepultamento não me causou nenhum impacto. Aí comecei trabalhando voluntariamente. Depois, a gerência me chamou e me contratou”, lembra.

O incentivo para voltar a estudar partiu da esposa. Hamilton relata que, por sugestão dela, prestou vestibular para direito em uma faculdade particular, após tentar, sem sucesso, uma vaga no curso de medicina da Universidade de Pernambuco (UPE). “Inicialmente fiquei triste, mas acabei sendo aprovado na faculdade de direito. E o que eu queria mesmo era ter uma formação”, afirma.

Apesar da aprovação no vestibular, o esforço para conquistar o diploma foi ainda maior. Como coveiro, Hamilton recebia um salário de R$ 521 e pagava R$ 520 da mensalidade da faculdade. “Sobrava um real”, observa. Além disso, tinha que pegar oito ônibus, todos os dias, para ir de casa ao trabalho, do cemitério à faculdade, que ficava na cidade vizinha de Jaboatão dos Guararapes, e finalmente voltar para o município onde mora com a família.

“A dificuldade maior foi nos dois primeiros anos do curso. Depois, um empresário ficou sabendo da minha história e resolveu pagar a mensalidade. Mas sem o apoio da minha esposa e os estudos no cemitério, isso não seria possível”. Para conseguir assimilar o conteúdo das aulas, Hamilton levava os livros para o cemitério. Improvisou uma pequena biblioteca em uma das catacumbas vazias. “Lá não tem área coberta. Estudava debaixo de uma árvore, quando não havia sepultamento nem nada para organizar. O que mais me ajudou foi o silêncio do lugar, que passa a maior parte do tempo deserto”, explica.

Ele coleciona histórias do período em que trabalhou como coveiro por causa do hábito de estudar no local. Como está situado ao lado da Igreja de Nazaré, uma das mais antigas do País, o cemitério acaba recebendo, vez ou outra, a visita de turistas. “Certo dia estava em cima de uma tumba e avistei duas mulheres. Levantei devagar para não assustá-las, mas não teve jeito. Só notei a correria e os gritos de ‘Oh, my God’, ‘Help me’”, lembra.

Do cemitério, Hamilton teve que sair em 2011, um ano antes de se formar bacharel em Direito. O contrato dos coveiros, firmado pela Prefeitura do Cabo, tem validade de dois anos, sendo renovado por igual período. “Só saí porque não podia ficar mais lá. Depois disso, abri um negócio e passei a vender refeições. É disso que tiro meu sustento até hoje”, relata, acrescentando que os estudos continuam em primeiro plano. “Eu vou para o trabalho escutando o áudio das aulas e também ouço quando estou a caminho do curso. Você não tem noção de como estou estudando para a OAB”, ressalta.

Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, na última edição do exame, a taxa total de aprovação foi de 10,6%, a mais baixa desde que a prova foi unificada, em 2010. O teste deste domingo terá 80 questões de múltipla escolha. Pela primeira vez, candidatos também terão que responder a perguntas de filosofia do direito.

Para reforçar os estudos, Hamilton fez um cursinho preparatório para a OAB no centro do Recife. Os gestores do estabelecimento Damázio de Jesus concederam uma bolsa ao ficar sabendo da história dele. Tímido e afirmando se sentir pressionado em corresponder às oportunidades que teve nos últimos anos, o bacharel em Direito se despediu da reportagem do G1 antes do início da aula. No entanto, fez questão de ressaltar que já aprendeu uma das principais lições. “Na vida sempre há uma segunda chance. Mesmo que não passe, não vou desistir jamais. Eu quero e irei advogar”.

Fonte: G1 PE

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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