Discurso pronunciado pelo Deputado GONZAGA PATRIOTA – PSB/PE Na Sessão do dia 01/04/2014
- By : Assessoria de Comunicação do Deputado Gonzaga Patriota
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Senhoras e Senhores Deputados,
ANIVERSÁRIO DA DITADURA: UMA HERANÇA MALDITA
Ontem, 31 de março, completou 50 anos do golpe militar. Em função da passagem dessa data, a imprensa produziu inúmeras matérias, documentários, interpretações e um reencontro necessário com um dos mais sinistros períodos da história do país. Mas não se trata apenas do passado. Há uma herança maldita da ditadura militar no presente. A volta da democracia, de liberdades duramente conquistadas – voto, direito de organização, expressão, manifestação — revelou-se com o tempo um processo inconcluso.
Eis que estamos em 2014, trinta anos após as grandes manifestações das Diretas Já! (que foram a pá de cal no regime militar) convivendo com a impunidade dos torturadores do antigo regime.
Em pleno mês em que se completam os 50 anos do golpe militar, assistimos ao socorro de tropas federais nas favelas do Rio de Janeiro para manter a política das UPPs (“Unidades de Polícia Pacificadora”). Na mesma semana, ligamos a TV e nos deparamos com um vídeo estarrecedor mostrando uma trabalhadora sendo arrastada pelas ruas no camburão da polícia.
Em 31 de março de 1964, tropas rebeladas saíram de Minas Gerais para prender, no Rio de Janeiro, o presidente João Goulart. O Congresso Nacional declarou o cargo vago mesmo sabendo que o presidente estava no Rio Grande do Sul. Dias depois, elegeu o marechal Castello Branco, primeiro de uma lista de cinco presidentes militares da ditadura que durou 21 anos.
Há cinquenta anos, as Forças Armadas brasileiras derrubaram o presidente João Goulart. Com o argumento de que estavam evitando uma ditadura de esquerda, os militares implantaram em 1964 outra ditadura, que durou até 1985, quando o poder foi devolvido aos civis.
Em 1960, o Brasil sai dividido das eleições: com menos da metade dos votos ganha para presidente o conservador Jânio Quadros, apoiado pela UDN. O vice é João Goulart, do partido trabalhista, aliado da esquerda.
Jânio assume no Brasil na mesma época que Kennedy vira presidente dos Estados Unidos. Em plena guerra fria com a União Soviética, a preocupação americana é impedir a expansão do comunismo. Aqui, Jânio proíbe briga de galo e biquíni. Para passar a imagem de independente, condecora Che Guevara, herói de Cuba.
Em agosto, Jânio renuncia.
Deveria assumir o vice João Goulart. Os militares não aceitam. Assume o presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzilli.
O então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, organiza – pelo rádio – a rede da legalidade, movimento de resistência para garantir a posse de Goulart.
O Congresso adota o parlamentarismo, mas um plebiscito restabelece o presidencialismo e Jango volta presidente. A inflação em alta assusta a classe média. A mudança na lei de remessa de lucros atinge as multinacionais. Para distribuir terras, fazer reforma tributária e eleitoral, Jango precisa mudar a Constituição. Sem maioria no Congresso, Goulart recorre aos sindicatos.
A instabilidade aqui preocupa os americanos. A Casa Branca passa a considerar a alternativa de um golpe, para evitar a influência soviética em Brasília. Kennedy autoriza milhões de dólares em propaganda aqui no Brasil, para criar o clima favorável ao golpe. Em novembro de 1963, ele é assassinado. O vice Lyndon Johnson mantém os planos para o Brasil.
1964 começa com agitação social e boatos de golpe. Dia 13 de março, João Goulart participa do comício na Central do Brasil. Soldados e marinheiros se entusiasmam com a defesa das reformas de base.
Uma frota americana se aproxima do Porto de Santos com porta-aviões, destroiers, combustível e armas para apoiar o golpe, se necessário. No dia 31, o general Mourão Filho deflagra o golpe. Sai com a tropa de Juiz de Fora, em Minas, rumo ao Rio de Janeiro. Tenentes tomam o Ministério da Guerra. A ex-capital concentra os líderes da conspiração: marechal Castello Branco, generais Geisel, Costa e Silva e Golbery.
No Congresso Nacional, a sessão de primeiro de abril passa da meia noite, com muito tumulto. Do Palácio do Planalto, ministros comunicam por escrito que Jango não havia deixado o país. Quando o comunicado do Planalto vai ser lido no plenário, a energia é cortada misteriosamente.
Na madrugada de 2 de abril, o então presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da República, alegando que João Goulart tinha saído do Brasil. Mas Jango estava em território nacional, como conta Waldir Pires, ex-ministro de Goulart.
“E aí o presidente do Senado Federal, que era presidente do Congresso Nacional, senador Auro Moura Andrade, mentiu à Nação.”
Na volta da sessão, o presidente do Senado declara vaga a Presidência da República. “O senhor presidente da República deixou a sede do governo. Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República… Declaro presidente da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.”
O deputado Mazzilli vira novamente presidente. Mas quem manda são os militares.
Deputados presos, governadores derrubados. Sai o primeiro ato institucional. O Congresso elege o marechal Castello Branco. É o primeiro de uma série de cinco generais-presidentes, que ficariam no poder durante 21 anos: de 1964 até 1985.
No entanto, Senhor Presidente, gostaria de destacar que o apoio da sociedade civil foi fundamental para a longa vida da ditadura militar no Brasil. A conferência nacional dos Bispos do Brasil esteve junto com as Marchas no apoio ao golpe.
Tornou-se lugar-comum denominar o regime político que existiu de 1964 a 1979 de “ditadura militar”. Trata-se de um exercício de memória, em contradição com numerosas evidências, e que só se mantém graças a poderosos e diferentes interesses, e também a hábitos adquiridos e à preguiça intelectual. O problema é que esta memória em nada contribui para a compreensão da história recente do país e da ditadura em particular.
É inútil esconder a participação de amplos segmentos da população no movimento que levou à instauração da ditadura em 1964. É como tapar o sol com a peneira. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade mobilizaram dezenas de milhões de pessoas, de todas as classes sociais, contra o governo João Goulart. A primeira marcha realizou-se em São Paulo, em 19 de março de 1964, reunindo cerca de meio milhão de pessoas. Foi convocada em reação ao Comício pelas Reformas que teve lugar uma semana antes, no Rio de Janeiro, com 350.000 pessoas.
Depois da de São Paulo, houve a chamada Marcha da Vitória, para comemorar o triunfo do golpe, no Rio de Janeiro, em 2 de abril. Narra a lenda que um milhão de pessoas compareceram. Um exagero. No entanto, esteve ali, no mínimo, a mesma quantidade de pessoas que em São Paulo. Em seguida, sucederam-se marchas em todas as capitais dos estados, sem falar em outras, incontáveis, em cidades médias e pequenas. Até setembro de 1964, marchou-se sem descanso no país. Mesmo descontada a tendência humana de aderir aos vencedores, ou, simplesmente, à Ordem, tratava-se de um impressionante movimento de massas de apoio ao golpe.
Nas marchas desaguaram sentimentos disseminados na sociedade, entre os quais, e principalmente, “o medo, um grande medo”. De que as gentes que marcharam tinham medo? Tinham medo das anunciadas reformas. O que estas preconizavam? Entre outras coisas, prometiam acabar com o latifúndio e a presença dos capitais estrangeiros, conceder o voto aos analfabetos (então, quase 45% dos adultos) e aos soldados, proteger os assalariados e os inquilinos, mudar radicalmente os padrões de ensino e aprendizado, alterar o sistema bancário e estimular a chamada cultura nacional. Se aplicadas, as reformas revolucionariam o país.
Por isso entusiasmavam tanta gente. Mas metiam medo em outras tantas. Iriam abalar e subverter tradições consagradas, questionar hierarquias de saber e de poder. E se o país mergulhasse no caos, na negação da religião? O Brasil viraria uma grande Cuba? Viria o comunismo? É certo que pouca gente sabia o que significava esta palavra, mas a associavam a tudo o que de mal existia – doença, miséria, destruição da família e dos valores éticos.
É preciso recuperar a atmosfera da época, os tempos da Guerra Fria, de radical polarização. De um lado, os EUA e os grandes países capitalistas, o chamado mundo “livre, ocidental e cristão”. De outro, a União Soviética, Estados e partidos socialistas e comunistas, os movimentos de libertação nacional na Ásia e na África, que reivindicavam igualdade e justiça sociais. Demonizavam-se mutuamente, e não havia espaço ali para meios-termos ou posições intermediárias. A luta do Bem contra o Mal. Para muitos, Jango era o Mal; a ditadura, um Bem.
No Brasil, Senhor Presidente, estiveram com as Marchas a maioria dos partidos, lideranças empresariais, políticas e religiosas, e tradicionais entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), “as direitas”. A favor das reformas, uma parte ponderável das entidades sindicais de trabalhadores urbanos e rurais, alguns partidos e movimentos, “as esquerdas”. Difícil dizer quem tinha a maioria. Mas é impossível não ver as multidões – civis – que apoiaram ativamente a instauração da ditadura.
A ampla frente política e social que apoiou o golpe era bastante heterogênea. Muitos que dela participaram queriam apenas uma intervenção rápida. Que fosse brutal, mas rápida. Lideranças civis como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Ademar de Barros, Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek, entre tantos outros, aceitavam ou queriam mesmo que os militares fizessem o “trabalho sujo” de prender e cassar, e depois, logo depois, fosse retomado o jogo político tradicional, marginalizadas as forças de esquerda mais radicais. Não foi isto que aconteceu.
Para surpresa de muitos, os “milicos” vieram para ficar. E ficaram por longo tempo. Assumiram um protagonismo insuspeitado – e inesperado. Como se sabe, o país conheceu cinco generais-presidentes. Ditadores. Eleitos indiretamente por Congressos ameaçados, mas não menos participativos. Passou-se a dizer que os três poderes republicanos eram o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Os militares mandavam e desmandavam. Ocupavam postos estratégicos em toda parte. No aparelho de segurança e nas empresas estatais. Choviam verbas. Os soldos em alta e toda sorte de mordomias e créditos. Nunca fora tão fácil “sacrificar-se pela Pátria”.
E os civis? O que fizeram os civis no período da ditadura? Apenas se encolheram? Reprimidos? A resposta é positiva para os que rejeitaram a ditadura. Também aqui houve muita heterogeneidade. Mas todos os oposicionistas – fossem moderados ou radicais, reformistas ou revolucionários – sofreram o peso da repressão. Entretanto, expressivos segmentos apoiaram a ditadura. Houve, é claro, zigue-zagues, metamorfoses, indecisões, ambiguidades, ambivalências. Gente que apoiou desde o início e até o fim. Outros aplaudiram a vitória e depois migraram para as oposições. Outros, ainda, foram e voltaram. Vaiaram ou aplaudiram, segundo as circunstâncias. A favor e contra. Sem falar nos que não eram contra nem a favor – muito pelo contrário.
Na história da ditadura, como sempre acontece, Senhor Presidente, a coisa não foi linear, sucedendo-se conjunturas mais e menos favoráveis. Houve um momento de apoio forte – entre 1969 e 1974. Paradoxalmente, os chamados “anos de chumbo”. Porque foram também, e ao mesmo tempo, “anos de ouro” para não poucos. O Brasil festejou então a conquista do tricampeonato mundial em 1970 e os 150 anos da Independência em 1972.
Quem se importava que as comemorações fossem regidas pela ditadura? É elucidativa a trajetória da Aliança Renovadora Nacional – a Arena, partido criado em 1965 para apoiar o regime. A quantidade e a qualidade das lideranças civis aí presentes, disseminadas em todos os rincões deste vasto país, atestam a articulação dos civis no apoio à ditadura. Em certo momento, um dos presidentes da Arena se referiu à agremiação como “o maior partido do Ocidente”. Caiu em merecido ridículo. Mas era, realmente, um grande partido, um partidão. Enquanto existiu, ganhou quase todas as eleições.
Também seria interessante pesquisar melhor as empresas estatais, os ministérios, as comissões e os conselhos de assessoramento, os cursos de pós-graduação, as universidades, as academias científicas e literárias, os meios de comunicação, a diplomacia, os tribunais. Estiveram ali, contribuindo construtivamente, eminentes personalidades, homens de Bem; alguns seriam mesmo tentados a dizer que estavam acima do Bem e do Mal. E o mais triste, e mais ilustrativo: enquanto a tortura comia solta nas cadeias, como produto de uma política de Estado, o general Médici era ovacionado nos estádios de futebol.
Na segunda metade dos anos 1970, a partir do governo Geisel (1974-1979), acentuou-se a migração de políticos e instituições, antes favoráveis à ditadura, no sentido da restauração do regime democrático. Em 1979, os Atos Institucionais foram, afinal, revogados. Deu-se início a um processo de “transição democrática” que durou até 1988, quando uma nova Constituição foi aprovada por representantes eleitos pela sociedade. Entre 1979 e 1988, ainda não havia uma democracia plenamente constituída, mas é muito claro que já não existia uma ditadura. E que fique registrado que os “milicos” saíram do governo sem levar uma pedrada – assim como tinham entrado nele sem precisar dar um tiro.
Entretanto, a obsessão em caracterizar a ditadura apenas como militar levou, e leva até hoje, muitos a assinalarem o ano de 1985 como o que marcou o fim do regime, porque ali se encerrou o mandato do último general-presidente. A ironia é que ele foi sucedido por um político – José Sarney – que desde o início apoiou a ditadura, tornando-se, ao longo do tempo, um de seus principais dirigentes… civis. Mas nada tem impedido a incongruência de estender a ditadura até 1985. O adjetivo “militar” o requer.
Ora, desde o início de 1979, Senhor Presidente, “o estado de exceção”, que existe enquanto os governantes podem editar, revogar ou ignorar as leis pelo exercício livre – e arbitrário – de sua vontade, estava encerrado. Não existiam mais presos políticos. O Poder Judiciário recuperara a autonomia. Havia pluralismo político-partidário e sindical. Liberdade de expressão e de imprensa. Grandes movimentos sociais e políticos livres de repressão, como, para citar o mais emblemático, a Campanha das Diretas-Já, que mobilizou milhões de pessoas entre 1983 e 1984. Como sustentar que tudo isso podia ocorrer no contexto de uma ditadura? Um equívoco?
Não, não se trata de um equívoco a ser “esclarecido”, mas de desvendar uma interessada memória e suas bases de sustentação. São interessadas na memória atual as lideranças e entidades civis que apoiaram a ditadura. Se ela foi “apenas” militar, todas elas, automática e sub-repticiamente, passam para o campo das oposições. Desde sempre. Desaparecem do radar os civis que se beneficiaram do regime ditatorial. Os que financiaram a máquina repressiva. Os que celebraram os atos de exceção. O mesmo se pode dizer dos expressivos segmentos sociais que em algum momento apoiaram – direta ou indiretamente – a ditadura. E mesmo muitas forças de esquerda, porque de suas concepções míticas fazia e ainda faz parte a ideia não demonstrada, mas assumida como verdade inquestionável, de que a maioria das pessoas sempre fora – e foi – contra a ditadura.
Por estas razões, é injusto dizer – outro lugar-comum – que o povo não tem memória. Ao contrário, a história atual está saturada de memória. Seletiva e conveniente, como quase toda memória. No exercício desta, absolve-se a sociedade de qualquer tipo de participação neste triste – e sinistro – processo. Apagam-se as pontes existentes entre esta ditadura e o passado próximo e distante, assim como os desdobramentos dela na atual democracia, emblematicamente traduzidos na recente decisão do Supremo Tribunal Federal impedindo a revisão da Lei da Anistia. Varridos para debaixo do tapete os fundamentos sociais e históricos da construção da ditadura.
Enquanto tudo isso prevalecer, serão escassas as chances de a História deixar de ser uma simples refém da memória, e mais escassas ainda as possibilidades de compreensão das complexas relações entre sociedade e ditadura.
Outro dado que chama a atenção, Senhor Presidente, é que o Presidente Jango tinha 70% de aprovação às vésperas do golpe de 64, aponta pesquisa. Levantamento do Ibope contradiz suposta fragilidade do governo de João Goulart, um dos argumentos usados pelos militares para tomar o poder, há 50 anos. Reportagem especial retrata a opinião de deputados e especialistas sobre esse período da história brasileira.
Pesquisas feitas pelo Ibope às vésperas do golpe de 31 de março de 1964 mostram que o então presidente da República, João Goulart, deposto pelos militares, tinha amplo apoio popular. Doadas à Universidade de Campinhas (Unicamp) em 2003, as sondagens não foram reveladas à época.
Pelos números levantados, Jango, como Goulart também era conhecido, ganharia as eleições do ano seguinte se elas tivessem ocorrido. Entrevistas realizadas na cidade de São Paulo na semana anterior ao golpe mostravam que quase 70% da população aprovavam as medidas do governo.
Em alusão aos 50 anos do golpe de 1964, a Câmara dos Deputados promoverá uma sessão solene nesta terça-feira (1º) para homenagear a resistência à ditadura militar.
Pesquisa contradiz militares.
O professor Luiz Antônio Dias, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que uma das pesquisas do Ibope, desconhecida durante 40 anos, havia sido encomendada pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), que fazia oposição a Jango. O especialista destaca que o levantamento derruba uma das justificativas dos militares para tomarem o poder em 1964: a de que o governo de João Goulart era frágil e impopular.
“Muitos historiadores, até dez anos atrás, ainda tinham essa ideia de que Goulart caiu porque era frágil, não tinha o apoio dos partidos e, sobretudo, da população”, comenta Dias.
Radicalização ideológica.
Historiador da Universidade de Brasília (UnB), Antonio Barbosa ressalta o clima de polarização ideológica que o País vivia. Para os opositores, Jango representava uma “ameaça comunista”. “A partir de 1963, cria-se um quadro de crescente radicalização: a Igreja Católica, o empresariado, as Forças Armadas e a imprensa vão assumir uma posição contrária às reformas defendidas por Jango, identificadas como a ‘comunização’, a ‘esquerdização’, a ‘bolchevização’ do Brasil”, explica.
Mas para o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), o perigo comunista era real: “Estávamos à beira de ser implantada aqui a ditadura do proletariado. Os empresários e a igreja queriam que os militares assumissem o poder. Ou seja, toda sociedade queria afastar o fantasma da ditadura do proletariado que estava presente em nosso país.”
Já o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) acredita que a população foi manipulada: “Criou-se a ideia de que o Brasil estava em um caos total, que Jango queria implantar o comunismo. Era a época da ‘guerra fria’, da forte polarização entre União Soviética e Estados Unidos, e acabaram fazendo uma manipulação grosseira para influenciar a opinião pública.”
Imprensa.
O professor Luiz Antônio Dias vai além e diz que a grande imprensa participou da articulação do golpe militar. Segundo ele, esse movimento inclui todos os maiores jornais da época, como: Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil.
“Eram recorrentes matérias ou editorais vinculando o governo aos comunistas. Não me lembro de ter visto nenhuma afirmação direta de que Goulart fosse comunista, mas era muito comum, por exemplo, atribuir ao Ministério da Educação, um programa comunista, como a criação de cartilhas para doutrinar nossos jovens”, informa. “Outra situação relativamente comum, tanto na Folha quanto no Estadão, era a preocupação com a possibilidade de Goulart dar um golpe para se manter no poder”, completa.
Dias lembra que o jornal A Última Hora, que apoiava o governo Jango, sofreu boicote de anunciantes e foi à falência, até ser comprado pela Folha de São Paulo.
Diante da necessária luta por memória, verdade e justiça sobre os crimes da ditadura e da urgente superação da democracia de exceção atual, seguimos, como há 50 anos, buscando as transformações sociais nas ruas, mesmo que elas pareçam escuras e estreitas demais para nossos sonhos subversivos.
Diante de tudo isso que foi falado, Senhor Presidente, gostaria de desmistificar mais uma das mentiras alegadas em favor do período ditatorial, a questão econômica. Ao contrário do que muitos apregoam a economia brasileira também foi vítima da ditadura.
Gostaria de aproveitar a ocasião para registrar o lúcido artigo da Jornalista Miriam Leitão, publicado recentemente no Jornal O Globo, intitulado Herança Maldita:
A cena: reunião que aprovou o Ato Institucional número 5, o pior deles, que cassava todas as liberdades e instalava o terror de Estado. Dada a palavra ao ministro da Fazenda, Delfim Netto, ele disse que era pouco. Achou fraco. Era preciso, disse, que fosse ainda mais forte para fazer as reformas que o país precisava. Elas não foram feitas e ele afirma hoje que de nada se arrepende.
Nos anos seguintes o país cresceu; excluindo os pobres e concentrando renda. O crescimento mais forte foi o resultado de um conjunto de fatores. Chegou ao incrível número de 14% no ano em 1973. O economista Edmar Bacha conta que 70% do crescimento foram apropriados pelos 10% mais ricos.
O Milagre é só um lado da história. Entre 1981 e 1983 o país conheceu uma dolorosa recessão, com a economia sob o comando do mesmo Delfim, então ministro do Planejamento do último governo militar.
Não é verdade que na economia a ditadura acertou. Nem isso. A herança deixada para os governos democráticos foi uma inflação acelerada e indexada. A inflação carregava em si o fermento do seu crescimento. Era alta e explosiva. Nos primeiros anos do governo civil começou a luta contra ela. No livro que escrevi sobre o assunto chamei esse esforço nacional, penoso e longo, de saga. Só em 1994, quase uma década depois do fim do regime, foi possível livrar-se da hiperinflação indexada.
Quem vê a série histórica pode imaginar que depois que eles saíram é que os índices chegaram a números aterradores. Na verdade, os militares deixaram o índice num ritmo descontrolado, em torno de 300%, mas com o combustível que a faria crescer nos anos seguintes. As primeiras tentativas de romper com esse passado foram minadas pelo populismo do primeiro governo civil, presidido por um leal servidor da ditadura, José Sarney. A pior tentativa de domar a inflação foi realizada pelo voluntarismo simplista do governo Collor. O que nos livrou do tormento da superinflação foi o Plano Real.
O golpe dado contra as instituições teve como um dos pretextos acabar com a inflação, e, 21 anos depois, ela estava mais alta e mais forte. O preço político exigido do país foi pesado. Aquilo que o ministro Delfim Netto disse na reunião foi, é, sempre será indefensável: endurecer para fazer reformas modernizantes. Não foram feitas as reformas necessárias e o endurecimento enlutou famílias e revogou direitos civilizatórios. O Plano Real e outros avanços mostram que só o convencimento através do diálogo democrático cria mudanças permanentes.
A herança maldita deixada pela economia do governo militar foi além da inflação. O país se endividou a juros flutuantes e as taxas explodiram. No final, o Brasil tinha US$ 150 bilhões de dívidas e US$ 11 bilhões de reservas cambiais, uma parte sem liquidez. O país quebrou. Durante anos o Brasil viveu o vexame de redigir cartas de compromissos com o Fundo Monetário Internacional para não cumpri-las. O lema no governo era que dívida não se paga; administra-se. Ela ficou impagável. E assim acabou o governo militar, deixando, para os que organizariam o país, o trabalho de renegociar a dívida. Houve várias tentativas. Um dos que lutaram por uma proposta de solução foi o embaixador Jório Dauster, mas foi Pedro Malan quem conduziu a negociação que acabou trocando essa dívida velha por novos títulos.
Os militares, que impuseram o terror em nome da ordem, deixaram uma desordem fiscal. O orçamento que passava pelo Congresso era limitado. O importante era o orçamento monetário, que não tinha qualquer transparência. Um cordão umbilical ligava o Banco do Brasil ao Banco Central, permitindo a uma instituição, com acionistas privados, sacar o montante que quisesse da autoridade monetária. Os bancos estaduais eram praticamente emissores de moeda. Não havia Secretaria do Tesouro. A democracia precisou trabalhar muito para organizar essa bagunça e chegar à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Bancos públicos financiavam os grandes empresários com farto dinheiro subsidiado na política de campeões nacionais. Soa familiar? Sim, o atual governo recriou essa política e alguns economistas próximos ao grupo no poder ainda dizem que a ditadura foi boa na economia.
É fundamental aprender com a História para não repetir seus erros. A maior lição é que não há justificativa econômica para uma ditadura.
Outro exercício interessante, Senhor Presidente, foi feito pelo Jornalista Breno Altman que sugere um discurso hipotético para a presidente Dilma Rousseff na passagem dos 50 anos do golpe militar de 1964, que derrubou João Goulart; o ponto central é a punição dos responsáveis por crimes cometidos naquele período sombrio da história, como já fizeram outros países; “Nossas instituições terão que decidir se é aceitável que crimes dessa natureza continuem impunes, com seus autores protegidos por uma lei imposta pela própria ditadura”, diria Dilma, que também foi vítima do golpe; a presidente falará esta noite?
Quando amanhecer o dia 31 de março, o país estará tomado pela recordação de um fato dramático. Milhões de brasileiros lembrarão – e serão lembrados – dos 50 anos da deposição do presidente João Goulart por uma aliança cívico-militar que imporia a longa ditadura dos generais.
Muitos artigos, reportagens e entrevistas, nos mais diversos veículos de comunicação, resgatam episódios daquele período. Homens e mulheres da resistência contam a epopeia da luta antifascista e o terror da repressão. Até cúmplices e protagonistas do golpe de 1964, como é o caso de boa parte da velha mídia, vertem lágrimas de crocodilo pela usurpação cometida.
Aberrações também têm vez. Militares da reserva, e oxalá que apenas esses, celebram o feito e reincidem na elegia ao crime de lesa-pátria que orgulhosamente exibem em sua biografia. Pequenos grupos de reacionários sem farda igualmente mostram suas garras.
Milhares e milhares de cidadãos, no entanto, estarão à espera que se pronuncie a voz de uma mulher. Uma valente militante contra a ditadura, que enfrentou tortura e prisão. Quis o destino que essa combatente, Dilma Vana Rousseff, viesse a ser presidente da República no cinquentenário do regime militar. Ela poderia, como representante maior do Estado, falar à nação sobre aquela era sombria.
Um discurso breve e contundente, que permitisse ao país fechar cicatrizes do arbítrio, determinar responsabilidades históricas e anular o ultraje institucional que ainda permite, a torturadores e assassinos, esconder seus crimes ou reivindicá-los com galhardia. Talvez algo parecido com as palavras abaixo entrelaçadas:
“Brasileiros e brasileiras.
Dirijo-me essa noite à nação, como presidente da República e comandante-em-chefe das Forças Armadas, para falar de um momento trágico de nossa história. Refiro-me ao golpe militar de 1964, que chega hoje a seu cinquentenário.
Oficiais de então, aliados a setores antidemocráticos do parlamento e da sociedade civil, levaram os três ramos de nossas estruturas militares a romper com a Constituição e suas melhores tradições republicanas, impondo um regime de terror e arbítrio que durou 21 anos.
O presidente João Goulart, governante legal e legítimo, foi derrubado porque a política de reformas que implementava, a favor da distribuição de renda e riqueza, em defesa da independência nacional e do nosso desenvolvimento, contrariava interesses poderosos, aos quais se alinharam os generais que assaltaram o poder.
Os protagonistas dessa sedição cometeram crime de Estado. Governaram através do terror, pisotearam a democracia, censuraram a imprensa e reprimiram as organizações populares. São responsáveis por delitos de lesa-humanidade.
Cabe a mim, pelas funções institucionais que exerço, pedir desculpas à nação, em nome das Forças Armadas, por estes fatos que mancham nossa história.
Quero comunicar que ordenei, através do Ministério da Defesa, a leitura de ordem do dia, em todos os quartéis, condenando os crimes da ditadura, proibindo qualquer forma de apologia ao regime militar e assumindo o compromisso que jamais o Exército, a Marinha e a Aeronáutica brasileiras voltarão a pisar em nossa Constituição. Nunca mais as armas da pátria serão usadas contra o povo e a democracia.
Também desejo lembrar todos os que dedicaram sua vida à resistência democrática. Centenas foram assassinados ou estão desaparecidos. Milhares se defrontaram com a prisão e a tortura. Muitos acabaram banidos ou obrigados ao exílio. O Estado brasileiro considera esses homens e mulheres heróis nacionais, a quem muito devemos a reconquista da liberdade.
A Comissão da Verdade, instituída por meu governo, logo chegará a relatório conclusivo sobre este período histórico, depois de longa investigação. Estaremos prontos, então, para novo salto civilizatório, como determinam pactos internacionais dos quais é signatário o Brasil. Nossas instituições terão que decidir se é aceitável que crimes dessa natureza continuem impunes, com seus autores protegidos por uma lei imposta pela própria ditadura.
Boa noite. E obrigada pela atenção.”
A lição que permanece para toda a sociedade brasileira, Senhor Presidente, é ditadura nunca mais. A nossa maior riqueza é a democracia que nos custou muita luta e muitas vidas.
Deputado GONZAGA PATRIOTA
Membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
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