Investindo em qualidade, Estado do Rio de Janeiro vive novo ciclo do café

00BOM JARDIM, DUAS BARRAS, PORCIÚNCULA e VARRE-SAI — A estrada que liga Bom Jardim a Duas Barras, na Região Serrana do Rio, está cercada por pés de café carregadíssimos. A esperada colheita, que acontece uma vez ao ano, começou há 20 dias. Da margem da RJ-116, é possível alcançar o fruto maduro, vermelho como uma cereja, à distância de um esticar de braço. Todos os arbustos do lado direito, assim como os que parecem tocar as nuvens, no topo das montanhas, pertencem ao bonjardinense Aloysio Erthal, 83 anos, dez filhos, 18 netos e um bisneto.

— Só me falta plantar café no asfalto — brinca seu Aloysio, cujo sobrenome está estampado nas fachadas do posto de gasolina e do supermercado de Bom Jardim.

Maior produtor de café do estado, ele tem dez fazendas na região. Self-made man, foi motorista de ônibus, ganhou os primeiros trocados criando frango de corte e, em 1962, plantou os seus primeiros 60 mil pés de café com dinheiro emprestado pelo extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC). Demorou seis anos para quitar a dívida. E logo fez o milagre da multiplicação dos grãos: hoje, a sua lavoura soma 1,8 milhão de cafeeiros.

— Não sou a Sophia Loren nem a Brigitte Bardot, mas tive peito para plantar nesta terra bruta, numa época em que o governo estava erradicando o café no estado — orgulha-se.

Seu Aloysio é um dos pioneiros na prática da cafeicultura moderna no Rio. Na última década, o estado — que no século XIX foi o maior produtor de café do mundo — vive um novo ciclo. Após o declínio da produtividade nas fazendas do Vale do Paraíba, o solo fluminense passou quase um século gerando um volume irrisório de grãos. No início dos anos 2000, enfim, os agricultores passaram a investir em um café gourmet. Agora, colhem elogios.

— O Rio está fazendo, pela primeira vez, uma bebida fina — afirma José Ferreira, técnico agrícola do Ministério da Agricultura.

O aumento de qualidade acompanha, pouco a pouco, o da produtividade: lá em 2003, o estado produziu cem mil sacas de café de 60 quilos, cada uma; em 2013, o número saltou para 340 mil.

— O café pode crescer ainda mais em qualidade, mas não em volume, por questão de espaço, já que outras atividades foram desenvolvidas, como a pecuária e a indústria. O estado é o décimo maior produtor do país e o segundo maior consumidor — diz Efigênio Salles, presidente da Associação dos Cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro.

A ascendente produção premium não é restrita à Região Serrana. No Noroeste Fluminense, pequenos agricultores seguem o caminho da busca por safras selecionadas.

— A meta é servir esse grão especial nas cafeterias do Rio durante as Olimpíadas de 2016. Por ora, a maior parte do café de qualidade servido nas xícaras cariocas é de Minas Gerais, o maior produtor do país. Praticamente toda a produção fluminense é exportada para a Europa — explica Ferreira.

Seu Aloysio está antenado à tendência do café fino. Há um mês, lançou a versão gold de seu Bonjardinense, de torrefação própria. Os pacotes são vendidos em supermercados da Região Serrana. O consumo local corresponde a 30% de sua produção — ano passado foram 25 mil sacas. Os outros 70% vão para o exterior:

— Os brasileiros não gostam de pagar caro pelo meu café. Os japoneses e os alemães dão mais valor.

Em casa, o gold não tem vez com seu Aloysio, que bebe café frio:

— Café pelando queima o bico.

RARIDADE NAS CAFETERIAS CARIOCAS

Do lado esquerdo da RJ-116, no caminho de Bom Jardim para Duas Barras, o viçoso horizonte verde dá conta das terras do professor Moacyr Carvalho, proprietário do Haras Monte Café. Exceção entre os grandes produtores, nos últimos anos ele passou a fornecer grãos diretamente para cafeterias cariocas. Uma parte da produção (bem pequena, é verdade) pode ser degustada no balcão das sete lojas do Armazém do Café, na capital fluminense. O café chamado Rio de Janeiro é o terceiro mais vendido da rede, atrás apenas do blend da casa e do orgânico, este último originário de Pernambuco.

— Trabalho com café gourmet desde 1997, mas só fui descobrir que o nosso estado estava produzindo bebida de boa qualidade há dois anos, quando o Centro do Comércio de Café do Rio de Janeiro (CCCRJ) fez um concurso para incentivar a produção das lavouras devastadas pelas chuvas que atingiram a Região Serrana — lembra o economista Marcos Modiano, dono do Armazém do Café. — O grão teve ótima aceitação do público carioca e ficou no cardápio. O meu estoque está quase acabando… Estou aguardando a nova safra.

A safra deste ano não está sendo igual àquela que passou. Mas, embora os cafezais não estejam tão frutados como em 2013, a colheita no Haras Monte Café vai bem, obrigada.

— Um ditado dos antigos barões diz que “um ano o café veste o patrão, no outro, ele se veste”. Continua sendo bienal. É da natureza. Mas, com técnicas modernas que envolvem poda, adubação e irrigação, conseguimos manter uma lavoura cada vez mais permanente — explica Moacyr.

Ano passado, sua lavoura de 75 mil pés de café rendeu 800 sacas. A previsão para a temporada atual é de 500 sacas.

— Prezamos a qualidade, não a quantidade. A tendência do café é seguir o caminho aberto pelo vinho.

Suave, frutado, encorpado são adjetivos usados por degustadores/classificadores para definir o café, que pode ser arábica, espécie natural da Etiópia, ou robusta, da África Ocidental. Em solo fluminense, quase 100% da produção é arábica.

— Dentro da espécie arábica existem vários tipos de bebida — explica o classificador de café Alaerte Telles Barbosa.

No mercado, há um dialeto específico. O grão de qualidade superior — aquele que é exportado e/ou utilizado para se fazer espresso — é classificado como “bebida estritamente mole”, “bebida mole”, “bebida apenas mole” ou “bebida dura”. Já o mediano para ruim — aquele que encontramos nas prateleiras dos supermercados — é classificado como “bebida rio”, “bebida riada”, “bebida riada zona”.

Qualquer associação com o estado do Rio para a má classificação não é mera coincidência. Mas, de grão em grão, a reputação está mudando. Tanto que o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café, organizado pela renomada torrefadora italiana, acaba de realizar a primeira edição exclusivamente para produtores do Rio de Janeiro. O cafeicultor Efigênio Salles, da Fazenda do Cedro, foi o campeão.

Há três meses, a plaquinha do prêmio está pendurada na parede do salão de jogos da fazenda, em Barra Alegre. A poucos metros da mesa de sinuca, dez peões trabalham duro na lavoura com a missão de colher mais uma safra premiada. São, no total, 240 mil pés distribuídos em 62 hectares. A menina dos olhos é o café denominado “cereja descascada’’, “CD” para os íntimos. Ele recebe tratamento VIP: é despolpado na máquina e colocado para secar no terreiro. Com uma enxada em punho, José Jerônimo Daudt, de 59 anos, tem a missão de “rodar” o café sob o sol:

— Rezamos para o sol ser amigo do café.

A VEZ DOS PEQUENOS

Singelas, as sedes das fazendas de café contemporâneas em nada lembram as luxuosas construções dos barões que fizeram fortuna no Vale do Paraíba. Não há resquícios de porcelanas francesas, baixelas de prata ou latrinas de opalina filetadas a ouro nas casas atualmente habitadas pelos cafeicultores. Uma das poucas heranças, por uma questão prática, é a permanência do terreiro de café em frente à casa-mãe.

O terreiro é o coração dos sítios frequentados nos fins de semana pelas famílias dos cafeicultores da Região Serrana e das moradas dos pequenos produtores do Noroeste Fluminense. Enquanto os de Bom Jardim e Duas Barras são administrados por empresários do café, as propriedades de Varre-Sai e Porciúncula são tocadas por famílias inteiras. Avós, filhos e netos põem a mão na massa.

— A cafeicultura familiar está crescendo e tem futuro. Herdeiros de grandes propriedades de terra estão vendendo lotes das antigas fazendas para pequenos agricultores, que com esforço de trabalho dão nova vida aos cafezais. Atualmente, há 1.300 pequenas propriedades em atividade no Noroeste do estado. O plantio do café moderno está promovendo uma verdadeira reforma agrária — avalia o técnico agrícola José Ferreira.

Em nome do Ministério da Agricultura, o técnico agrícola está comandando a ativação da cooperativa local. Uma verba de R$ 1,5 milhão foi adquirida junto ao BNDES para a compra de maquinário para beneficiar o café dos pequenos e grandes produtores do Rio. A previsão é que a operação comece até setembro, fim do período de colheita.

Pedaço da antiga Fazenda Onça dos Coimbra, o Sítio Lajinha é tocado por Luiz Carlos Teixeira, de 55 anos, e seus três filhos homens. A única filha mulher ajuda a mãe nos afazeres domésticos.

— Sou filho de agricultor e não tive a oportunidade de aprender outra profissão. Mas aprendi a não fugir da lavoura. Comprei dez hectares em 1994, 25 em 2000 e mais 28 em 2008. Não dá para dizer que o café dá dinheiro para ficar rico, mas dá para viver bem — orgulha-se Luiz Carlos.

O cafeicultor guarda parte do café de melhor qualidade que sai de sua lavoura para o consumo da família. O grão é torrado de dois em dois dias.

— Passamos café três vezes ao dia, de manhã, de tarde e de noite. Ninguém na roça toma café dormido. Todos os vizinhos gostam de filar aqui em casa porque sabem que servimos produto tipo exportação — brinca Luzia de Fátima Teixeira, mulher de Luiz Carlos.

No Sítio Gentil, na divisa de Varre-Sai e Porciúncula, o café fresquinho está saindo do coador com gosto especial. Depois de anos como meeiro (como é chamado o trabalhador rural que divide os lucros da colheita com o proprietário da terra), Gilson Aparecido da Costa Lima, de 37 anos, conseguiu juntar dinheiro para comprar os seus cinco primeiros hectares de terra. Ano passado, trabalhou duro no plantio de 13 mil pés de café e, desde o início do mês, está colhendo — sozinho — a primeira safra.

— Pela primeira vez na vida eu sou o meu próprio patrão. Tenho mais lucro e mais trabalho. Tem dias que fico mais de 12 horas na lavoura. Almoçar? Para quê?

Morro acima, Gilson Aparecido está sempre carregando uma peneira gigantesca a tiracolo. O braço é malhado na repetição incessante de sacudir os frutos colhidos no apetrecho — trata-se de tradicional procedimento que tem como objetivo dispensar galhos e folhas que vão junto com o café.

— Meu filho de 13 anos me ajuda um bocadinho na lavoura, mas falo que o mais importante é que ele vá para a escola. Graças a Deus, ele já tem mais estudo do que eu — conta o cafeicultor, que estudou até a antiga 4ª série primária.

Frequentar a escola também é prioridade no Sítio Vai e Volta, em Varre-Sai. Os três filhos do agricultor João Batista Rodolphi, de 53 anos, têm ensino médio completo. Felipe, de 26, Fidelis, de 23, e Fabiano, de 21, sempre estudaram à noite para poder ajudar o pai no trabalho da lavoura durante o dia. O primogênito está cursando o sétimo período de Engenharia Civil, na vizinha Itaperuna.

— Sou o único da minha sala na faculdade que trabalha na roça. Alguns colegas brincam comigo, me chamam de barão do café — Felipe acha graça.

O futuro engenheiro pretende usar os ensinamentos da faculdade para aprimorar a lavoura de café da família, que atualmente possui 70 mil pés.

Enquanto Felipe está na faculdade, Fidelis e Fabiano viram a noite tomando conta do secador de café: o grão precisa ficar com 11% de umidade para dar origem a uma bebida gourmet.

O pai é só orgulho dos filhos.

— Quando os meus meninos eram pequenos, a lavoura era muito diferente. Eu trabalhava como meeiro e não tinha acesso a essas tecnologias. Fui acostumado com pouco. E o café virou tudo em nossas vidas — diz João Batista.

Fonte: O Globo

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

 

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