Negligência na hora do parto destrói

po“Pedia a Deus para que não fosse verdade o que estava acontecendo.” O clamor, em tom desesperado, veio de Vanda Menezes, 34 anos, num momento que ela define como o pior da sua vida: a morte do filho. João Guilherme nasceu no dia 23 de janeiro deste ano, por volta das 17h. Passou apenas 15 minutos com vida. Não deu tempo, sequer, da mãe escutar o seu choro. Vários médicos tentaram reanimá-lo. Em vão. Era tarde demais. O que Vanda e Guilherme queriam mesmo era que, horas antes, quando havia chegado o momento dele vir ao mundo, esses mesmos médicos, ou pelo menos algum deles, tivessem ouvido os apelos da gestante e percebessem que os dois precisavam ser atendidos com urgência.

Vanda chegou ao Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), no bairro dos Coelhos, área central do Recife, às 2h30, já com a bolsa rompida. Imediatamente apresentou o seu cartão pré-natal na recepção. “Fui orientada assim durante todas as consultas. Profissionais do Imip que me atendiam diziam que eu teria prioridade para internamento porque fiz meu pré-natal lá”, disse. Além desse detalhe, estava escrito no cartão e também carimbado: a gravidez era de alto risco e a paciente tinha miomatose (tumores benignos no útero que podem provocar parto prematuro ou dificuldades no parto). “Mas nada disso foi levado em consideração. Esperei até as 4h para que um enfermeiro viesse aferir minha pressão. Falei que sentia uma forte dor na bexiga e estava sangrando, mas ele simplesmente saiu”, afirmou. Somente às 11h20 a paciente foi examinada por um médico, que decidiu que ainda não era a hora de Vanda entrar na sala de cirurgia.

Por volta do meio-dia, veio a notícia de que ela seria transferida para outro hospital. Ali não havia vagas. “Isso só não aconteceu porque não tinha ambulância no hospital. A partir daí, não consegui mais ficar esperando. Entrei e disse: “Ou conseguem a ambulância, ou eu vou embora”. Só assim me colocaram numa enfermaria. Já passava das 14h. João Guilherme nasceu com dificuldades de respirar. “Vi que saía um líquido pela boca e pelo nariz dele. Acho que engoliu líquido amniótico. Em seguida, vários médicos e enfermeiros rodearam a maca onde o bebê estava, ao meu lado, tentando reanimá-lo. Poucos minutos depois, tive que ouvir o que menos queria: meu filho estava morto”, detalha.

No atestado de óbito, as causas da morte: anoxia intrauterina (falta de oxigenação no cérebro, que pode ser causada, entre outras coisas, por hemorragia na gestante ou ritmo fetal irregular) e pneumopatia (doença que afeta os pulmões). Receber alta e chegar em casa foi ainda mais difícil. “Passei duas semanas sem conseguir abrir a porta do quarto do bebê e vivia à base de Rivotril”, relata.

Em nota, o Imip respondeu que o diagnóstico de miomatose uterina não está necessariamente relacionado à gestação de alto risco, nem à indicação de parto cesário. “As causas de morbidade neonatal são inúmeras e podem acontecer mesmo diante das melhores assistências ao trabalho de parto. No caso em questão, asseguramos que foram realizados todos os procedimentos preconizados conforme os protocolos de obstetrícia em vigor. Exames realizados na criança comprovaram grave doença congênita como responsável pelo óbito fetal.”

SEM MULHER E SEM FILHO DE UMA SÓ VEZ – Luiz e Carina se conheceram quando eram crianças. Cresceram juntos em São Lourenço da Mata, Grande Recife. Na adolescência namoraram, separaram. Voltaram, já adultos. Decidiram morar juntos, formar uma família. Em 2013, Carina engravidou. E a partir daí, o pai do bebê, ajudante de pedreiro, não mediu esforços para garantir o bem-estar do seu primeiro filho. Descobriram que seria um menino. Ia se chamar Luiz Henrique. O pai juntou toda a economia para comprar o melhor enxoval e decidiu deixar de beber para que o menino não conhecesse o Luiz que várias vezes provocou mal-estar em casa por ter chegado alcoolizado. O pré-natal de Carina foi tranquilo. Por isso Luiz jamais imaginou que, ao atender o celular, na manhã de 18 de outubro de 2013, enquanto trabalhava, fosse escutar aquela notícia: seu bebê estava morto. Poucos minutos depois, outra ligação fez Luiz sentir o peso do mundo em suas costas: Carina também estava morta. E ali morriam os sonhos da família. O quarto do filho seria desfeito, o enxoval, doado. A casa com quatro cômodos se tornaria grande demais para ele. Assim, de supetão. Sem que tivesse a oportunidade de se despedir.

“Na última vez em que ela foi ao hospital, de madrugada, nem acompanhei porque tinha que acordar cedo para ir trabalhar no outro dia. E nunca imaginei que eles iam morrer, pois no pré-natal, as consultas, os exames davam tudo certo. Eu não conseguia acreditar”, contou o jovem João Luiz Benício da Silva, 24 anos. Carina de Lima e Silva, 23, saiu de casa no dia 14 de outubro de 2013, um domingo à noite, para a maternidade mais próxima de sua casa, a do Hospital Petronila Campos. Sentia dores e cansaço. A sogra, Geilsa Benício, que a acompanhou, disse que colocaram a paciente no soro. “Antes do soro terminar, mandaram Carina de volta para casa”, afirmou. No dia seguinte, às 6h, mais dores e cansaço. No mesmo hospital deram uma injeção em Carina e mandaram voltar para casa mais uma vez. Foi medicada, mas as dores não cessaram. Ficaram mais intensas. A gestante foi ao Petronila novamente. Dessa vez, deram um remédio sublingual. E mandaram voltar para casa. Dia 16 de junho, mais dores. E mais uma ida ao mesmo hospital. Aplicaram soro com remédio emandaram voltar para casa. “De madrugada (dia 17) ela começou a tremer na cama, gemia de dor. Deu entrada novamente e dessa vez receitaram Buscopan e uma pomada vaginal por sete dias. Ela passou mal de novo. Fomos para a Maternidade de Camaragibe”, relatou a sogra. O médico que atendeu a paciente percebeu que ela corria riscos e encaminhou ao Hospital Barão de Lucena, na Zona Oeste do Recife.

Na madrugada do dia 18 foi realizada uma cesárea e Luiz Henrique nasceu. Segundo a família, passou algumas horas vivo. Morreu às 7h25. Carina ainda foi levada para a UTI. De acordo com nota divulgada pelo Barão de Lucena na época, a mulher estava na 35ª semana de gravidez. O menino já nasceu morto, por falta de oxigenação. A mãe sofreu a primeira parada cardiorrespiratória ainda durante a cirurgia. Foi reanimada e encaminhada para a UTI, onde sofreu uma segunda parada e não respondeu às manobras de reanimação. Morreu às 7h40.

O Hospital Petronila Campos afirmou, por meio de nota, que a paciente chegou se queixando de dores no baixo ventre e recebeu atendimento adequado. “Como a gestação era de 35 semanas, ainda não se tratava de caso cirúrgico. O Serviço de Verificação de Óbito (SVO) apontou como causa da morte tromboembolia pulmonar, caso considerado como morte inevitável, uma vez que a paciente não apresentou sintoma”, diz a nota. O Comitê Estadual de Mortalidade Materna avaliou o caso e chegou à conclusão de que a morte seria provavelmente evitável. “Nos reunimos com representantes dos hospitais envolvidos e com o SVO. Concluímos que algumas providências poderiam ter sido tomadas para evitar a morte, pois a paciente procurou cinco vezes os hospitais de São Lourenço e Camaragibe até ser encaminhada para o Barão de Lucena”, declarou a médica Sandra Valongueiro, coordenadora do Comitê.

Fonte: JC

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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