Pernambucano e mineiro fazem de “Amores roubados” o primeiro grande sucesso da TV em 2014

20140111092609442596uO dramaturgo e roteirista George Moura tinha um desejo imenso, nascido em 1984, quando ainda estudava jornalismo e morava no Recife: dar vida aos personagens do livro ‘A emparedada da Rua Nova’, do conterrâneo Carneiro Vilela. “Ao ler uma reedição, fiquei impressionado com o nível de desencontro das paixões que vai impelindo uns personagens contra os outros de forma vertiginosa: é uma trama de muito apelo”, lembra Moura. Trinta anos após o impacto da primeira leitura, a adaptação sonhada pelo pernambucano ganhou rostos, corpos – e números. Com 10 capítulos, a minissérie global ‘Amores roubados’ estreou na última segunda-feira com ótimos índices de audiência e qualidade técnica igualmente elevada. “Intuía que era tiro certo, porque a trama une o folhetim com o tom policialesco do thriller, mas foi melhor do que o esperado”, reconhece o diretor, o mineiro José Luiz Villamarim.

“Amores roubados” passa a ser ponto de inflexão da carreira de dois realizadores, que, com afinco e sem badalação, já tinham se destacado nacionalmente ano passado com a minissérie O canto da sereia. Ambos radicados no Rio de Janeiro e recém-chegados aos 50 anos, Moura e Villamarim passaram a acalentar a ideia da adaptação de ‘A emparedada’… no início da parceria artística, em 1997, na novela ‘O rei do gado’. Tanto tempo de espera parece ter ajudado a dupla a encontrar, com a participação decisiva do fotógrafo Walter Carvalho, o tom adequado para atualizar a obra de Joaquim Maria Carneiro Vilela (1846-1913), considerada por especialistas como “caso típico de glória da província”. O folhetim, publicado no Jornal Pequeno entre agosto de 1909 e janeiro de 1912 e recentemente reeditado em livro, teria causado comoção a ponto de os leitores invadirem a sede da publicação para conhecer antecipadamente as trágicas consequências do envolvimento do don-juan Leandro com a esposa e a filha do comerciante português Jaime Favais.

Na adaptação, além da contemporaneidade, o autor promoveu mudança geográfica. Deslocou a trama recifense para uma localidade fictícia chamada Sertão. “Essa cidade não existe, mas, como a Twin Peaks de David Lynch e a Vigata de Andrea Camilleri, catalisa o espírito do lugar: foi imaginada como parte de um sertão contemporâneo, no qual convivem o jumento e o mototaxista; no liquidificador da modernidade, estão também a modernização econômica e um certo arcaísmo dos valores, numa revisitação do coronelismo”, acredita. Nesse “liquidificador”, há a junção de referências díspares, como as vozes de Fagner (o narrador das chamadas da série) e Amelinha, o forró de Anastácia/Dominguinhos (‘Eu só quero um xodó’) e a sonoridade cool da banda inglesa The XX (dica certeira de Lucas, filho de Villamarim, para o tema da personagem de Isis Valverde).

No amálgama de ‘Amores roubados’, coube também reunir atores consagrados com talentos nordestinos (ainda) desconhecidos do público da tevê, mas vistos no cinema, como Irandhir Santos (‘Tropa de elite 2’, ‘O som ao redor’), o estreante Jesuíta Barbosa  (‘Tatuagem’) e o veterano Germano Haiut (‘O ano em que meus pais saíram de férias’). “Eu brinco, dizendo que estou fazendo o lançamento de um ator de 76 anos”, afirma Villamarim, referindo-se ao pernambucano que interpreta o avô de Antônia (Isis Valverde).

Logo no primeiro capítulo, a fotografia do paraibano Walter Carvalho provocou onda de comentários nas redes sociais na linha “parece cinema”. Mas os autores preferem delimitar as diferenças. “A gente está fazendo televisão, tratando o telespectador de forma inteligente”, ressalta George Moura. “Há muitas cenas sem cortes, uma câmera que ‘cai dentro’` do ator, como nos filmes do (John) Cassavetes, mas o que interessa é a narrativa. A gente persegue a excelência da qualidade, como fazem os seriados americanos. Queremos concorrer com eles”, complementa Villamarim. Os dois estarão juntos novamente em outro projeto ousado: o remake da novela ‘O rebu’ (1974), de Bráulio Pedroso, que, passada inteiramente em uma festa, causou furor ao romper com a linearidade temporal. “O que mais me fascina é a radicalidade narrativa: Bráulio fez um mix de ’24 Horas’ e ‘Lost’ antes de tudo isso existir. Vai ser um desafio dificílimo”, antecipa George Moura.

Sexo, prosódia e poemas
“Cínico com as mulheres, cauteloso com os maridos”. Assim Carneiro Vilela descreveu o personagem Leandro, originalmente um mulato baiano, estudante de medicina, capaz de confessar: “Sempre gostei do perigo. O amor que não tem risco é uma cousa desenxabida, uma aventura sem encantos e pueril.” Para incrementar as diversas facetas das conquistas amorosas do protagonista, o autor George Moura lançou mão dos versos de outro conterrâneo, o poeta Joaquim Cardozo (1897-1978), utilizados como arma de sedução por Leandro (Cauã Reymond) para fisgar Isabel (Patrícia Pillar): “Na engenharia calculista de sedução, nada melhor do que os versos de um poeta engenheiro: é muito bom poder brindar o espectador com essas pérolas”.

Para Cauã Reymond, seu personagem tem um lado “obscuro e galanteador”,  explorado nas intensas cenas de sexo, como as protagonizadas nos primeiros capítulos, com Dira Paes. “São dois morenos se encontrando, né? E ela está linda, um espetáculo de mulher”, comenta o ator, fazendo elogios também ao texto da minissérie: “O George foi muito feliz, porque ele sabe escrever do ponto de vista do homem, do macho alfa, mas também é muito sensível com o ponto de vista feminino”.

Neto de paraibano (“Meu avô foi um pai pra mim e pensei muito nele pra fazer esse trabalho”), Reymond conseguiu driblar o maior dos obstáculos enfrentados por atores do eixo Rio-São Paulo ao interpretar nordestinos: o sotaque. A prosódia, que já tinha sido um desafio na novela Cordel Encantado, foi surgindo a partir do contato com moradores de Petrolina, onde parte das cenas foi gravada. “Ficava ouvindo a camareira, o motorista, o acupunturista, tentava imitá-los falando… sentia a musicalidade deles até me sentir confortável: foi um processo artesanal”. Villamarim conta que foi intencional a decisão de adotar uma prosódia “mais limpa, mais crível”, inclusive para os atores nordestinos. “Queria fugir do farsesco”, destaca.  Sobre seu personagem, Reymond tem uma definição que representa, na verdade, uma sentença: “Leandro é o cara que só entendeu a vida no momento mais trágico dela. Não sei se tem tempo para viver esse amor”, referindo-se ao envolvimento com o personagem de Isis Valverde e antes de fazer reflexão pessoal: “O amor passa por lugares muito profundos. Passa, por exemplo, pela necessidade de doação. E ainda estou aprendendo: venho me redimensionando, repensando muita coisa sobre mim mesmo”.

Da página para a tela
Trecho de A emparedada da Rua Nova, obra de Carneiro Vilela que deu origem à minissérie ‘Amores roubados’

(…) A esse amor enorme de Celeste não correspondia igual sentimento de Leandro. Para ele aquela mulher representava o mesmo papel, tinha a mesma importância que tantas outras, cuja posse fora objeto de seus desejos realizados e cujo retrato ia aumentar a galeria das vítimas da sua libidinagem.
Em pouco tempo, a efervescência do capricho passara nele, o afogo da paixão se acalmara mais um pouco e a sua assiduidade junto de Celeste só se justificava pela força do hábito ou pela falta de substituta fácil e pronta. (…).

Fonte: Diário de PE

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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