Rapto de meninas expõe ao mundo fraquezas do governo da Nigéria
- By : Assessoria de Comunicação do Deputado Gonzaga Patriota
- Category : Clipping
Na manhã em que 276 meninas foram sequestradas de uma escola pública no norte da Nigéria, em abril, o Exército do país recebeu telefonemas e avisos com até quatro horas de antecedência do crime.
Os insurgentes do grupo islâmico ultraradical Boku Haram não acharam nenhuma resistência para ficar por três horas na escola e saíram depois de incendiar o local, levando as meninas em 20 caminhonetes e 30 motos.
Dias depois, o sequestro virou notícia pelo mundo e foi parar nas hashtags do Twitter – acompanhado de imagens de famosos com plaquinhas e protestos em diversos países pedindo: ‘tragam de volta nossas meninas’ (#bringbackourgirls).
Mas, além de virar fenômeno na web, o sequestro também escancarou a ineficiência de um governo afundado em acusações de corrupção, que tem de lidar com uma pobreza extrema da população e com um exército decadente.
“Se você quer mostrar quão desprezível um governo ou um ‘homem poderoso’ é, você simplesmente ataca aqueles que ele deveria proteger. Ao sequestrar e escravizar essas meninas, o Boko Haram está mexendo com o governo em seu ponto mais fraco: mostrando que ele não consegue nem proteger suas mulheres e crianças. Nem mesmo em escolas públicas”, avalia Murray Last, professor emérito de antropologia da Universidade de Londres, em entrevista ao G1. Segundo ele, o governo do presidente Goodluck Jonathan está “tão distanciado da realidade do povo, que as reações ao sequestro, tanto internas quanto internacionais, forçaram-no a acordar de seu estado de negação. O presidente e sua esposa não mostraram, até recentemente, nenhuma empatia pelo desastre.”
O sequestro ocorreu no dia 14 de abril e até agora não há informações concretas sobre o paradeiro das meninas. O Reino Unido e a Grã-Bretanha já anunciaram o envio de ajuda em inteligência. França e China também ofereceram apoio, e a polícia da Nigéria divulgou que pagará uma recompensa de 50 milhões de nairas (cerca de US$ 300 mil, ou R$ 669 mil) para quem fornecer informações concretas sobre o paradeiro das vítimas.
Esse não é o primeiro sequestro do Boko Haram, uma seita que se tornou grupo armado em 2009, mas é o rapto mais numeroso. Só neste ano, eles mataram 1.500 pessoas em sua luta para impor a lei islâmica (sharia) no país. O grupo liberou um vídeo em que mostra um de seus membros rindo ao dizer que venderá as meninas como escravas.
“Quando você fala com as pessoas na Nigéria, elas te dizem que o aumento dos níveis de desemprego e pobreza entre os jovens do norte do país tem levado a um maior recrutamento desses jovens pelo Boko Haram”, disse ao G1 o coordenador de campanhas para a África Ocidental da organização humanitária Anistia Internacional, Makmid Kamara. Segundo ele, a pressão internacional pode ajudar a pressionar o governo nigeriano a se comprometer mais com o assunto. “As pessoas afetadas pela violência não acham que há sinceridade e empenho genuíno do governo para lidar com a questão. [..] Não é questão de dinheiro. O que os nigerianos precisam é uma liderança melhor, mais comprometida. Por exemplo, muitos dos pais com que falamos nos disseram que não receberam informações sobre os esforços de resgate.”
Outra questão evidente é a falta de recursos das forças armadas. O governo argumenta que a insurgência é nova e que ainda não há certezas de como lidar com o grupo – além de afirmar que há militantes infiltrados no exército. O porta-voz militar, Olajide Laleye, reconheceu em uma entrevista para imprensa na última terça-feira (6) as falhas de investimento, ao dizer que o exército faria “uma auditoria de equipamentos para identificadas as áreas em que há falta de suprimento, quebras ou materiais obsoletos.”
Mas pelo menos no papel, não parece faltar dinheiro. Segundo a agência de notícias Reuters, em 2014, um quarto do orçamento federal (US$ 5,8 bilhões) vai para a segurança. Desse montante, a maior parte vai parar no ministério da Defesa.
“É muito vergonhoso”, disse o nigeriano Toyin Falola, professor do departamento de história da Universidade do Texas Austin. “Estou muito triste e também bravo, como muita gente. Mas essa raiva e tristeza se transformam em mobilização. E falar disso traz questões à tona. Questões de má administração, de falta de capacidade de defender seus cidadãos, questões de lei e ordem.”
Além do extremismo
O Boko Haram tem assumido vários ataques no norte da Nigéria desde 2009, ultimamente tendo como alvo qualquer um que discorde de seus princípios. Fundado em 2002 como uma seita, ele virou uma guerrilha depois que seu líder morreu sob custódia da polícia, em 2009. “Desde então o grupo vem retaliando e atacando primeiro o departamento de polícia, depois bases militares e prédios do governo e mais recentemente escolas e igrejas. Até mesquitas eles atacam – já mataram clérigos muçulmanos também. No momento o alvo dos seus ataques é qualquer um que esteja contra eles ou contra seus princípios.
Em maio de 2013, o governo decretou estado de emergência nos estados do norte. “O Boku Haram é hoje a insurgência que mais mata no mundo. E ficou pior esse ano. […] Eles são motivados pela religião, mas é uma visão distorcida, não é nem consistente com a Al-Qaeda, por exemplo. O que eles estão fazendo é muito, muito extremo, e muito, muito violento. Eles estão realmente matando civis indiscriminadamente. Mesmo na Jihad [guerra santa para os muçulmanos], há regras de guerra no Islã, e eles não cumprem essas regras. Por isso, muitos muçulmanos se opõem a eles. […] É confuso mesmo para a maioria dos muçulmanos. Eles estão atacando até os salafistas na Nigéria, têm uma doutrina muito estranha”, disse ao G1 o pesquisador da Universidade de Cambridge e doutor em estudos africanos Adam Higazi.
Embora o Boko Haram se identifique como um grupo islâmico, autoridades islâmicas do mundo se prontificaram em condenar suas ações. Na Árabia Saudita, a autoridade máxima religiosa disse que o grupo foi “criado para denegrir a imagem do Islã” e que o Islã “é contra assassinatos, matanças e agressões”. Acrescentou que “casar-se com uma garota sequestrada não é permitido”.
No Brasil, o Instituto de Cultura Árabe, em conjunto com a Federação das Associações Muçulmanas, também divulgou um documento em que diz que “o sequestro, a venda e o uso de mulheres como escravas sexuais são crimes contra a humanidade, tanto na dimensão moral da expressão como no seu sentido legal. Estão entre os piores crimes igualmente condenados pelo direito internacional e pela Sharia islâmica. Nada, no Islã ou fora dele, pode servir a explicar e muito menos a justificar tais crimes” (leia a íntegra aqui).
Salvando o mundo com hashtags
Logo após o sequestro das meninas ter sido divulgado pela imprensa internacional, as campanhas online começaram a se propagar no Twitter e Facebook. A primeira-dama americana, Michelle Obama, até posou para uma foto com uma placa pedindo que devolvam as garotas.
A mobilização tem entusiastas e críticos. Para o professor Toyin Falola, o falatório cria um alerta e também pressiona o governo. “É um momento de mudança. Você é a sexta pessoa a me entrevistar apenas hoje! Isso significa que se tornou um assunto global. […] isso é muito bom. Primeiro porque cria um alerta, e depois talvez alguém consiga identificar alguma dessas meninas. Os recados pela rádio e redes sociais penetram em várias partes da África. Também envergonha o governo, que deve fazer algo a respeito, e descredencia a polícia e o Exército, o que também significa que eles devem fazer algo a respeito.”
Outro que defende as mobilizações é o professor Omolade Adunbi, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. “As redes sociais se tornaram uma ferramenta poderosa e já estão fazendo uma enorme diferença. Por exemplo, um dia após o sequestro, o presidente agiu como se nada tivesse acontecido, mas o poder das redes sociais iluminou o fato e de repente se tornou um assunto internacional, não deixando brecha ao presidente e sua equipe.”
Mas há quem critique o “ativismo de sofá”, especialmente aquele que é feito por quem é afetado pelo problema. O escritor nigeriano Teju Cole, por exemplo, ironizou as hashtags de protesto adotadas pelo Ocidente. O movimento original #bringbackourgirls (#tragamdevoltanossascrianças) começou na Nigéria e Teju diferenciou os dois ativismos, criticando a adoção da sigla por ocidentais. Em sua conta do Twitter, ele escreveu posts como: “Por quatro anos, os nigerianos têm tentado entender esses monstros homicidas. Seu novo interesse (obrigado) não simplifica nada, não resolve nada” e “Encantado em conhecer todos esses novos especialistas em Nigéria.”
Outra nigeriana, Jumoke Balogun, editora de um portal sobre o continente, escreveu um recente artigo no jornal britânico “The Guardian” dizendo: “Você pode não saber, mas o Exército dos EUA ama suas hashtags porque elas dão legitimidade para invadir e aumentar sua presença na África.”
Fonte: G1
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