A situação de quem precisa de um transplante para sobreviver tornou-se ainda mais dramática com a epidemia das arboviroses. Diante das incertezas sobre a transmissão do zika e da febre chikungunya pelo procedimento, o sistema de saúde optou por tornar inapto para doação órgãos quem teve sintomas de alguma das viroses, mesmo que não haja confirmação laboratorial. Desde janeiro, a queda no número de possíveis doadores já chega 20%. São cerca de cinco captações a menos a cada mês.

Por segurança, o Estado determinou que o doador não pode ter apresentado sinais dessas viroses até 15 dias antes, seja ele paciente vivo ou cadáver. O prazo vale para coração, rim, fígado e pâncreas. Para as córneas, o tempo de proibição é de 30 dias. Com menos pessoas aptas a doar a fila dos que esperam aumentou. Os que aguardam por coração são os mais afetados – redução de 43% nos dois primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2015 (ver arte).

ESPERA – Segundo a central, há 1.233 pacientes aguardando por um órgão. O advogado Antonio Barreto, 65 anos, está entre eles. Junto com outros 71 pacientes, espera por um fígado. Ainda assim, Barreto acredita que a regra, apesar do contratempo, tem base médica. “Acho que é aconselhável, o bom senso. Essa epidemia é muito séria. Agora, mais do que nunca, conto com a fé para conseguir o transplante.” A família do motorista Miguel Silva, 35, foi surpreendida ao não poder doar seus órgãos. “Uma moça no hospital perguntou se poderíamos doar. A família concordou. Mas o processo não foi concretizado por ele ter tido chikungunya”, lamentou a irmã de Miguel, Sulamita da Silva, 23. O motorista, que morreu no último fim de semana em um acidente de carro, tinha apresentando febre, dor nas articulações e mal-estar duas semanas antes. Chegou a ser socorrido para em uma emergência.

DESAFIO – Para o coordenador médico da Central, André Bezerra, o quadro atual é de desafio. “Como toda doença emergente, ainda não sabemos o impacto no paciente que é transplantado e que fará uso de medicamento imunossupressor (que diminui a imunidade) pelo resto da vida. O que sabemos é que os arbovírus têm, teoricamente, potencial de transmissão. Mas ainda não há estudos, nem casos descritos da transmissão por essa via”, alertou.

Bezerra explicou que a exigência de um teste se zika ou chikungunya para finalizar o processo de validação de um doador em morte encefálica se torna inviável porque os resultados demorariam. Isso poderia por si só inviabilizar o transplante, já que o procedimento cirúrgico precisa de agilidade. Para se ter uma ideia, o teste de biologia molecular (PCR) na rede pública do Estado demora cerca de uma semana.

Apesar das novas regras, Bezerra destacou que diante das incertezas, cabe uma discussão dos riscos entre a equipe médica e o paciente que vai receber o transplante. “Às vezes aquele órgão é o órgão da vida.”

Fonte:  Folha-PE