Mulheres largam pílula e convocam parceiros a participar da contracepção

Celebrada como símbolo da liberdade sexual na época de seu surgimento, na década de 1960, a pílula anticoncepcional é hoje encarada de um jeito muito diferente por cada vez mais mulheres. Para elas, seu uso se tornou em larga medida uma imposição dos parceiros e serviu para que a responsabilidade de evitar uma gravidez acabasse recaindo apenas sobre a mulher.

Em consultórios médicos e em grupos de discussão na internet, o debate tem esquentado. Além de buscarem métodos alternativos, elas também procuram maneiras de dividir o sentimento de responsabilidade sobre a contracepção.

A publicitária Valéria Sousa, 22, diz que nunca se adaptou aos efeitos colaterais da pílula, mas que usava devido aos parceiros, que se recusavam a empregar a camisinha.

“O que mais me motivou a deixar a pílula foram as situações em que eu e algumas amigas nos encontrávamos: por saber que nós usamos pílula, o cara se sentia confortável o suficiente para dar desculpas e não se proteger [usar o preservativo]”, relata.

“Com o tempo, aprendi a sair de situações que a sociedade costuma tratar como normal. Pode ser também uma questão de opinião, mas é bom reforçar que se isso te faz mal, não é necessário usar. Há outros métodos contraceptivos e, principalmente, com responsabilidade dividida”, diz.

A administradora Mariana Lima, 29, começou a questionar, além da divisão das responsabilidades, também os gastos associados à contracepção. Depois de anos usando a pílula e, posteriormente o anel vaginal, ela resolveu largar os métodos hormonais.

“Eu achava injusto pagar R$ 60 todo mês e ainda ter a preocupação de quando colocar, tirar, etc. Passei a pedir pro meu namorado comprar. Mas ainda assim minha ‘preocupação’ continuava, porque era eu que tinha de lembrá-lo sempre da data da compra. Até que tomei a decisão de não usar mais, assim o cuidado seria dos dois”, diz.

Além da maior discussão sob a igualdade dos sexos na responsabilidade pela contracepção, muitas das mulheres buscam outros métodos devido à maior atenção com os potenciais efeitos da pílula –além de um maior risco de problemas circulatórios para quem tem histórico de problemas na família, muitas relatam aumento de peso, diminuição da libido e outros sintomas indesejáveis.

Não há números oficiais que indiquem a quantidade de mulheres que têm repensado seus métodos contraceptivos devido a questões ideológicas, mas o movimento já se faz sentir em muitos consultórios médicos no Brasil.

“Vejo um movimento de mulheres, ainda limitado a redes sociais, organizando-se para exigir dos planos de saúde que indiquem médicos que ofereçam contracepção não hormonal. Mulheres estão convidando os parceiros a refletir sobre contracepção e optando pelo uso correto e exclusivo de preservativo”, diz a ginecologista Halana Faria

“Deixar de usar pílula tem sido um motivo para que mulheres passem a dialogar mais sobre a necessidade de usar preservativo em todas as suas relações.” Mestra em Saúde Pública pela USP, Halana atua no Coletivo Feminista Sexualidade em Saúde, ONG que prioriza o atendimento médico humanizado ao público feminino. Para ela, ainda existe no país a ideia de que as mulheres são as únicas responsáveis pela contracepção.

“Não vamos nos esquecer que há serviços de atendimento geridos por instituições religiosas que recusam-se a oferecer DIU e laqueadura por exemplo. Que quando uma mulher apresenta efeitos colaterais à contracepção hormonal frequentemente não consegue acesso a alternativas”, afirma Halana, que diz não ser contrária à pílula.

“Não faço coro à demonização da contracepção hormonal. Acho que há mulheres e grupos sociais que podem, sim, beneficiar-se do seu uso e isso precisa ficar claro”, diz Halana, que ressalta a importância do acesso à informação para que as mulheres possam tomar decisões.

Ana Carolina de Magalhães, pesquisadora na área de física, usou a pílula anticoncepcional sem perceber qualquer problema ou efeito adverso por mais de uma década. Durante uma temporada no Canadá, porém, ela começou a repensar o uso do método e passou a pesquisar alternativas não hormonais.

Ela conta que, nesse processo, teve o apoio do marido para abandonar a pílula e, também, “dividir as responsabilidades” para evitar uma gravidez não planejada. Hoje o casal optou pelo diafragma e pela camisinha associados.

“Parte da decisão de usar a camisinha associada é que é praticamente a única opção de contraceptivo que o homem usa. As outras são coito interrompido, que não nos agrada, além de não ser um método muito confiável, e a vasectomia, que nem sempre é reversível. Sentimos falta de outras opções”, explica.

“Usando a camisinha e o diafragma, cada um fica responsável por um método”, conta Ana Carolina.

EXCESSOS

A pílula anticoncepcional é oficialmente considerada uma linha de tratamento para a síndrome do ovário policístico (SOP). No entanto, na opinião da médica Nathalia Cardoso, que também atende na ONG, ela é possivelmente excessiva em muitos casos de mulheres jovens.

“No início das menstruações, as meninas têm ciclos irregulares, o que é característico da maturação do eixo hormonal, aspecto esse que tende a se regular com o tempo. Adiciona-se a isso o fato de que, com a puberdade, a acne pode aumentar. Esses dois fatores, somente, não diagnosticam a SOP, de forma que temos que ficar atentas para a prescrição indiscriminada de contraceptivos.”

Na opinião do professor da Faculdade de Medicina da Unicamp Luis Bahamondes, hoje as redes sociais têm sido usadas para difundir muitas informações sem lastro científico e que, de uma certa maneira, tem havido uma espécie de demonização da pílula.

“O método é seguro, não é uma ameaça mundial como muitos blogs dizem por ai”, explica o médico, que também é pesquisador da clínica de planejamento familiar da universidade. Ele reafirma a a importância de haver uma análise do histórico de saúde das pacientes.

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