Receita do SUS paga até “salgadinho terapêutico”

De um lado, pacientes com doenças muitas vezes gravíssimas, esperançosos  de que a última inovação tecnológica da indústria farmacêutica, vendida  a peso de ouro, seja uma resposta para o seu sofrimento; de outro, o  Sistema Único de Saúde (SUS), obrigado por lei a garantir tratamento a  todos os brasileiros, mas atrelado a um orçamento limitado e à  necessidade de só financiar medicamentos de fato necessários e eficazes.

  Entre esses dois extremos se move uma engrenagem multimilionária,  movimentada por médicos que prescrevem fármacos ainda não fornecidos  pelo SUS e por escritórios de advocacia que recorrem ao Judiciário para  conseguir os medicamentos de última geração.  Em meio a profissionais  sérios e a doentes que realmente dependem dessas receitas para continuar  respirando se escondem esquemas que usam as decisões judiciais para  beneficiar laboratórios e solicitações no mínimo curiosas, como a que  vem obrigando os cofres da saúde em Minas Gerais a bancar dietas à base  de coxinhas e empadinhas especiais. Ou a ação que pedia a compra de  marca de leite vendida a R$ 400, que poderia ser substituída por similar  a menos de um quarto do preço.

O fenômeno conhecido como judicialização da saúde se baseia em uma  enxurrada de processos que obriga estados, municípios ou o governo  federal a custear medicamentos e tratamentos não cobertos pelo SUS e por  planos privados. Devido a ele, o Ministério da Saúde gastou, apenas em   2011, nada menos que R$ 266,1 milhões para oferecer os remédios  prescritos por médicos e exigidos por advogados. Um crescimento de  10.544% se comparado com a situação de seis anos atrás.

 A questão é que  nem sempre a prescrição atende ao interesse exclusivo do paciente.  “Muitas vezes há um novo medicamento que nem sequer tem registro da  Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas o juiz concede a  liminar para seu fornecimento”, comenta o consultor jurídico do  Ministério da Saúde Jean Keiji Uema.

Em Minas, os cofres da saúde  enfrentam o mesmo desafio. E, entre gêneros de primeira necessidade,  acabam pagando não só por “salgadinhos terapêuticos”, mas por outros  itens como massa de pão de queijo especial ou medicamentos que na bula  são indicados para aborto e, por isso, não estão sequer liberados no  país, mas são prescritos por médicos e nutricionistas.

Mesmo entendendo  que recorrer à Justiça é uma forma de sanar falhas do sistema e um  direito do cidadão previsto em lei, autoridades reclamam que, entre os  milhares de ações, muitas são abusivas e prejudicam aqueles que  realmente necessitam de medicações de alto custo, transformando o SUS em  uma espécie de cobaia da indústria farmacêutica e o déficit do setor em  uma bomba-relógio prestes a explodir.

No país, já foram  descobertas associações entre médicos e advogados para forçar a saúde  pública a custear determinados medicamentos. Em território mineiro,  dissertação de mestrado apresentada na Universidade Federal de Minas  Gerais (UFMG) levanta questionamentos sobre essas parcerias. A pesquisa  em saúde pública feita pelo farmacêutico Orozimbo Henriques Campos  mostra que, entre 1999 e 2009, foram movidas 6.112 ações contra o SUS em  Minas, sendo que 75% se referiam a pedidos de medicamentos.

Nesse  universo, 81% dos advogados que defenderam clientes exigindo medicações  eram particulares e 66,7% dos médicos que prescreveram os remédios,  originários da rede privada. “A maior representividade de médicos do  setor privado e advogados particulares demonstra um prejuízo à equidade  de acesso à saúde, já que muitos pacientes que acessam o Judiciário e,  consequentemente, recebem medicamentos financiados pelos SUS têm  melhores condições socioeconômicas”, escreveu.

As medicações mais  pedidas foram para reumatismo. E, analisando apenas esse tipo de  drogas, um único escritório de advocacia de Belo Horizonte foi  responsável por 45% das ações e um só médico prescreveu as substâncias  para 72 demandas, o que corresponde a 45% dos processos. Os dados,  segundo Orozimbo Campos, podem indicar a influência da indústria  farmacêutica no comportamento de médicos e advogados.

O trabalho não  especifica que haja irregularidade nos números, mas, associado a vários  outros indicadores, acende o sinal de alerta. “Se existe essa avalanche  de ações, que em Minas cresceram nos últimos 10 anos 56.000%, é porque  tem alguém prescrevendo e não descarto que possa haver aí uma máquina de  dinheiro”, afirma a assessora chefe da Assessoria Técnica em  Judicialização da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Vânia Rabelo.

A  dissertação da UFMG mostrou também que no Brasil, entre 2000 e 2004,  109 medicamentos foram registrados na Agência Nacional de Vigilância  Sanitária (Anvisa), sendo que 40% deles não traziam nenhuma inovação em  relação àqueles que já estavam no mercado. Nos Estados Unidos, entre  1998 e 2002 foram aprovados 415 novos fármacos. Desses, 133 (32%) foram  classificados como entidades moleculares inovadoras, mas, nesse  universo, apenas 58 representavam realmente uma melhora significativa se  comparada com os demais remédios, de acordo com a avaliação da Food and  Drug Administration (FDA), o órgão governamental responsável pelo  controle dos alimentos, suplementos alimentares e medicamentos.

O  presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes  Ferreira, diz saber da existência de possíveis desvios profissionais nos  pedidos judiciais de medicamentos. Em relação à ação de um médico e de  um único escritório de advocacia na maioria dos pedidos de um mesmo  fármaco, ele observa: “São dados no mínimo curiosos, a menos que esse  profissional, responsável por grande parte das ações em Minas, seja um  hiperespecialista da área”, diz. Para ele, quando alguém usa de má-fé na  área não pode ser chamado de médico. “Condenamos tudo aquilo que não  seja em benefício do paciente”, frisa.

Fonte: Diário de Pernambuco

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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