Companheiro de 85% das presas de SP também está preso, diz pesquisa

Cadeia de Itatinga só deverá receber presas transitórias (Foto: Reprodução/TV TEM)

Uma mulher jovem, negra, semianalfabeta, que trabalhou quando criança, com quatro filhos e cujo marido ou companheiro também está preso. Esse é o perfil geral da presidiária no estado de São Paulo, traçado por uma pesquisa inédita encomendada pela Secretaria de Administração Penitenciária a qual o G1 teve acesso.

O estudo foi realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social (Nemess), da PUC de São Paulo. De acordo com a coordenadora da pesquisa, a professora Maria Lúcia Rodrigues, foram entrevistadas 1.130 presidiárias, por meio de questionários e entrevistas aprofundadas em 11 unidades prisionais – de um total de 19 em todo o estado administradas pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). O estudo durou 10 meses e foi concluído nesta terça-feira (30). A população carcerária feminina é de 10.909 mulheres – já a de homens é de 177.665.

O trabalho apresenta “diretrizes, políticas e serviços” para a elaboração de 10 mil manuais a serem distribuídos para todo o sistema prisional. De acordo com o estudo, 60% das presas do estado se declaram solteiras, 45% têm até 29 anos e 46% dizem ter trabalhado quando criança. “Sempre um trabalho muito duro, elas faziam questão de dizer. Ou trabalharam na roça, ou como domésticas”, conta a pesquisadora Márcia Helena de Lima Farias.

A reincidência entre as presas é de 29%, e a grande maioria delas, 85%, tem o marido ou companheiro também presos. “O problema que se vê é: com quem ficam os filhos? Muitas vezes as crianças acabam indo para abrigos e sendo encaminhadas à adoção”, analisa a autora do recém-lançado “Entre as leis da ciência, do Estado e de Deus – o surgimento dos presídios femininos no Brasil” e antropóloga Bruna Angotti. Para ela, “o argumento de que as mulheres entram no crime por influência do parceiro é complicado do ponto de vista sociológico, porque é como se elas não tivessem potencial de serem autoras, de fazerem suas próprias escolhas”, diz a antropóloga.

Outro dado que chama a atenção no estudo é o tipo de crime cometido pela maioria das mulheres: 72% estão presas por tráfico de drogas. “O crime está muito interessante, muito rentável. […] A proteção não vem da política pública, vem do crime organizado. Ele compete com o Estado”, diz Maria Lúcia. De acordo com Bruna Angotti, muitas vezes essas mulheres entram no tráfico para completar a renda. Outra coisa que também é comum, segundo ela, é a mulher ser presa quando está levando droga para o companheiro que está preso.

Quando perguntadas se conhecem algum programa ou alternativa para sair do crime, 80,6% das entrevistadas disseram que não. “Ela é excluída por natureza, na essência. Não é que não quer [mudar], mas não há essa dimensão de escolha”, explica Márcia. Apesar de ser menor do que a masculina, o aumento da população carcerária feminina nos últimos nove anos [de 2001 a 2010] foi maior: 286% contra um aumento de 186% dos homens presos.

Participantes do Nemess. Da direita: Maria Lúcia Rodrigues, Hannah Zuquim Prado (que também trabalhou na pesquisa), Cassia Maria Gellerh, Márcia Helena de Lima Faria, Alvandira Generosa de Souza e Monique Vicuna   (Foto: Giovana Sanchez/G1)As participantes do Nemess. Da direita: Maria Lúcia
Rodrigues, Hannah Zuquim Prado, Cassia Maria
Gellerh, Márcia Helena de Lima Faria, Alvandira
Generosa de Souza e Monique Vicuna
(Foto: Giovana Sanchez/G1)

Mulheres em presídios de homens
As condições dos presídios, segundo as pesquisadoras, também não são apropriadas. “Com exceção da penitenciária de Tupi, nenhuma unidade prisional é feita para o gênero. São prédios antigos, que já foram prisões masculinas. […] Muitas presas não recebem nem absorvente, se viram como podem.”

Essa questão se deveu ao fato de que, quando passaram para a custódia do Estado, os presídios não foram adaptados para receber as mulheres. “Das três primeiras prisões femininas [a primeira construída em 1937], apenas uma foi feita especificamente para mulheres, as outras foram adaptações e isso é uma coisa que continuou”, explica a antropóloga Bruna Angotti.

“A maioria das mulheres da década de 1940 eram presas por contravenção penal, que eram atos ligados à prostituição, como escândalo, desordem, alcoolismo e vadiagem, e crimes de lesão corporal leve (brigas com agressão física). Esse perfil mudou bastante. Primeiro pela necessidade de manutenção do lar, o número de mulheres que chefiam famílias aumentou, e depois por causa do ingresso da mulher no mercado de trabalho”. Segundo Bruna, houve uma mudança estrutural dos tipos de crimes e também nos presídios. “Até a década de 1980, os presídios femininos eram administrados por freiras, e a função do cárcere era de recuperação moral, de retorno do papel social da mulher. Depois da saída das freiras, houve uma indiferenciação [por parte do cuidado do Estado] entre os presídios masculinos e os femininos.”

Em 2010, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução conhecida como “Regras de Bangcoc”, em que estipula normas básicas para o tratamento de mulheres presas. O conjunto de recomendações – entre elas atendimento médico para os filhos, direito a tratamento psicológico ou psiquiátrico e a proibição de isolamento e segregação como medida disciplinar para mulheres grávidas – é um reforço das já conhecidas “Regras Mínimas para o Tratamento de Presos”, após se diagnosticar os problemas do encarceramento feminino no mundo.

Mães na cadeia
Segundo a pesquisa do Nemess, a média de filhos por presa de São Paulo é de quatro. A Defensoria Pública deu início, no começo deste ano, a um projeto chamado “Mães no Cárcere”, em que mapeia a condição das mulheres gestantes e com filhos nas cadeias. Em cinco meses de trabalho, a Defensoria apurou que, das 1.627 presas da unidade de Franco da Rocha, 889 são mães e 141 estão gestantes (ou com indícios de gravidez). Ainda de acordo com o projeto, 80% dessas crianças estão sob a guarda de familiares.

Já segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), há atualmente, sob sua custódia, 119 gestantes, além de 142 crianças – em todo sistema penitenciário. Segundo a secretaria, desde fevereiro de 2011 foram inauguradas em três penitenciárias o chamado “espaço mãe”, com “área para banho do bebê, trocador, lactário (local para preparo de bebidas lácteas e complementares aos lactantes), área para recreação e cursos para as mães.”

Segundo uma lei federal de 2009, as penitenciárias devem oferecer condições para que a mãe presa possa cuidar do bebê e amamentá-lo. A SAP diz que está “buscando parcerias e desenvolvendo metodologias de trabalho específicas para lidar com essa situação”, como o projeto “Meu Bebê Minha Vida”, que “conscientiza as gestantes a respeito de valores, comportamentos e ações” por meio de palestras e filmes.

Sem advogado
Segundo a pesquisa realizada pelo Nemess, 49,3% das presidiárias não têm advogado. Já o número registrado em outro estudo, realizado pela Defensoria Pública entre outubro de 2010 e outubro de 2011, é maior. Segundo eles, 68% das 11.010 entrevistadas em 90 presídios e cadeias do estado (administradas pela SAP e pela Secretaria de Segurança Pública) declararam não ter advogado contratado.

Fonte: G1

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)


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