“É mais fácil criminalizar tudo o que acontece nas ruas de São Paulo”

Juca Ferreira leva uma hora para ir de sua casa, em Pinheiros, até a Secretaria de Cultura, no centro de São Paulo. E mais uma hora para fazer o trajeto de volta. Percorre, diariamente, os cerca de 14 quilômetros de carro – ao qual, diz, teve de se render para “cumprir as funções” de secretário municipal. Vida bem diferente da que levava em Madri – onde morou por dois anos até aceitar o convite do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para assumir a pasta. “Lá, não senti necessidade de comprar um carro – apesar de ganhar muito bem, três vezes mais do que aqui, como secretário. Porque lá o sistema de transporte público é maravilhoso. Não atrasa, não anda superlotado.”

Para este baiano de 64 anos, o paulistano, principalmente o que mora longe do trabalho, vive de uma forma muito “radical”. “Já pensou o que é perder, diariamente, duas horas e meia dentro de um ônibus e de um metrô superlotados?”, indaga. Com a pergunta, Juca justifica seu apoio à revogação do aumento da tarifa de ônibus – principal reivindicação dos manifestantes. “Mesmo sabendo que essa tomada de decisão tem implicações e cria problemas financeiros graves que a Prefeitura terá de resolver.” Para o secretário, os protestos que tomaram as ruas do País mostram que é um momento de “freio de arrumação”. “Os partidos e políticos se distanciaram muito dos anseios e das necessidades da população. As demandas são muitas, mas a maioria delas aponta para o direito à cidade.” O debate, defende, vai além do transporte: “A questão da violência policial é outro tema central”. E crava: “A rua foi criminalizada em São Paulo. É preciso garantir segurança também nos momentos de celebração e lazer”.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual sua opinião sobre os protestos que tomaram as ruas do País?

Vejo as manifestações de maneira muito positiva. Isso faz parte da construção da democracia. Os partidos e políticos se distanciaram muito dos anseios e das necessidades da população, e é normal que ela se mostre contrariada. Acho que é um freio de arrumação.

Qual a importância desses movimentos para São Paulo?

Acho que são muitas as demandas, mas a maioria delas aponta para o direito à cidade. A questão da violência policial é outro tema central. Com diálogo, podemos construir uma relação sólida e sinérgica entre cidadãos e cidadãs e as instituições do poder público.

Acha que esses atos podem ser considerados uma “Virada Cultural” sem arrastões?

Na Virada, as pessoas estão juntas para desfrutar dos espetáculos, e a convivência se dá em meio às emoções e aos prazeres do deleite estético. Nas manifestações, estão juntos construindo cidadania e demandando a realização de direitos. Na Virada, a fumaça é gelo seco; nas manifestações, é gás lacrimogêneo. Na Virada, as lágrimas – quando ocorrem – vêm de dentro; nas manifestações, vêm de causas externas.

Como a cultura entra no debate?

Acho que as demandas sociais estão ficando mais sofisticadas, e as pessoas querem mais qualidade de vida. É como diz aquela música dos Titãs: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Concorda com a revogação do aumento da tarifa?

Concordo, mesmo sabendo que essa tomada de decisão tem implicações e cria problemas financeiros graves, que a Prefeitura terá de resolver.

O que o senhor acha do transporte público?

É muito precário. Temos de qualificar. Estou vindo de Madri e lá não senti necessidade de comprar um carro – apesar de ganhar muito bem, três vezes mais do que aqui, como secretário. Em nenhum momento senti a demanda de ter um automóvel. O sistema de transporte público é maravilhoso. Não atrasa, não anda superlotado. Houve um investimento de décadas. No Brasil, é preciso desenvolver essa mentalidade, ampliar a rede de metrôs e de trens e, principalmente, o sistema de ônibus. Já poderia ter um planejamento no centro da cidade menos baseado em transporte individual e mais baseado no transporte coletivo. Como está, é um prejuízo econômico e social enorme. Já pensou o que é você perder, diariamente, duas horas e meia dentro de um ônibus superlotado?

Aqui o senhor tem carro?

Tenho. Para cumprir minhas funções, apesar de morar perto do centro – em Pinheiros – , levo quase uma hora para chegar ao trabalho. São mais ou menos 14 quilômetros e, frequentemente, pego engarrafamento para ir e voltar. A mobilidade urbana e a qualidade da oferta e do serviço público talvez sejam os temas mais relevantes da cidade e do Estado. Junto com segurança.

Apesar de não ter sido sede da Copa das Confederações, SP teve exibições públicas dos jogos do Brasil. A programação faz parte das ações da Prefeitura para atrair o turismo de lazer, que ainda não é uma marca da capital?

A autoimagem de São Paulo e a maneira como as instituições tratam a cidade estão completamente defasadas. São Paulo não é apenas a cidade do trabalho, muito menos aquela cidade industrial que já foi: caminha na direção de uma economia pós-industrial. Tem uma das melhores noites do mundo, uma indústria cultural razoável – certamente a mais sólida do Brasil. E um enorme potencial cultural-econômico para ser o grande centro cultural do Brasil. Mas, para isso, precisa assumir mais a cultura brasileira e potencializá-la. De todas as capitais, é a que tem melhores condições de articular um sistema brasileiro das artes.

Nesse cenário, qual é o papel da Secretaria de Cultura?

A rua foi criminalizada em São Paulo. A dificuldade de garantir segurança para a população teve uma resposta fácil: criminalizar tudo o que acontece nas ruas. Seria mais fácil se as pessoas não fossem para a rua, fossem apenas de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Isso é dito, sistematicamente, pelos responsáveis pela segurança da cidade e do Estado. Não deveria ser assim. É preciso segurança para garantir os momentos de celebração e lazer. Estamos passando por um momento difícil na segurança. Tudo o que eu fizer e disser vai ser para contribuir, não para desgastar a imagem de ninguém. Mas, para existir, a segurança tem de partir de conceitos e diagnósticos corretos.

Como assim?

Na época da Virada Cultural, por exemplo, muitos acharam que deveríamos ter desenvolvido atividades na periferia, para que os moradores não viessem para o centro. Isso é um equívoco e revela um preconceito social monstruoso. Não há política de segurança correta baseada em preconceito. As pessoas que vieram da periferia para a Virada se comportaram exatamente como aquelas que vieram dos bairros de classe média: todos querendo assistir aos espetáculos e desfrutar desse evento que é o maior da cidade. A Secretaria de Cultura tem de criar uma nova mentalidade para São Paulo. É preciso evoluir, para ter um programa anual de eventos, e se estruturar, para ter uma economia cultural forte.

E por onde se deve começar?

Já demos um passo muito importante, quando a Câmara Municipal aprovou a lei da arte de rua.

O prefeito lhe deu alguma missão específica?

Em primeiro lugar, coordenar a preparação do programa anual de eventos – no qual se comemore o São João, o Dia do Samba, o Natal. Começando pela organização do carnaval de rua em São Paulo. É uma celebração de grandes proporções, mas ilegal. Por isso, é uma festa que se realiza na precariedade – tanto para os que estão na rua quanto para os que estão em casa e são incomodados. Há uma única saída: organizar e preparar a cidade para esse evento.

Como fazer isso?

O primeiro passo é dar mais segurança e conforto. Depois de combinar o direito de quem está em casa com o de quem está na rua pulando o carnaval. E, além disso, estamos pensando numa política cultural para a noite. São Paulo não dorme. As pessoas vão para as baladas, os bares, as festas. Acredito ser importante São Paulo ter, como outras capitais do mundo, equipamentos culturais, como bibliotecas, abertos à noite. Há uma parcela da população que busca atividades à noite.

O senhor concorda que um dos grandes mitos de São Paulo é que a cidade não tem espaços públicos?

As pessoas estão demandando por espaços. Dia desses, fui ao Ibirapuera. Foi dificílimo encontrar uma vaga para estacionar. Ficamos quase uma hora procurando onde parar o carro.

Existe uma ânsia por espaços. A Prefeitura pensa em apoiar projetos que estão acontecendo espontaneamente, como cinemas ao ar livre?

Tem biblioteca móvel, ônibus-biblioteca, a gente vai estimular cinema de rua. A arte visual de rua de São Paulo é considerada uma das melhores do mundo. E não é só o grafite, não. É preciso valorizar isso para que a população tenha possibilidade do desfrute estético. Mesmo os que não têm poder aquisitivo, que é uma preocupação importante. Estamos também procurando uma saída civilizada e não repressiva para as atividades que são chamadas de “pancadões” na periferia, o funk de rua.

É um caminho possível?

Claro que é. O que tem de equivocado ali? É que o lazer de uns é o incômodo de outros. Precisamos, então, encontrar locais que tenham o mínimo de isolamento e de distância das casas onde as pessoas querem dormir. Mas há outro problema mais grave: o tráfico aproveita a concentração de jovens para vender drogas. Voltamos ao tema da segurança. E defendo uma postura mais inteligente, mais aliada à cidadania e que tenha menos dessa repressão cega que coloca todo mundo no mesmo barco.

Existe um projeto da Secretaria de Serviços para disponibilizar internet gratuita em SP. Qual o papel da Cultura nesse programa?

Nós estamos apoiando esse projeto e trabalhando em parceria com a secretaria. Em quase todas as capitais contemporâneas e modernizadas do mundo, há vários espaços públicos em que se tem conexão gratuita. Durante os dois anos que vivi em Madri, acessava internet, gratuitamente, do ônibus. E com boa qualidade.

Fonte: Estadão

Blog do Deputado Federal GONZAGA PATRIOTA (PSB/PE)

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