A saga das mulheres venezuelanas refugiadas no Brasil
- By : Assessoria de Comunicação do Deputado Gonzaga Patriota
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Gekidel Casanova amamentou seu bebê sob a mira de uma arma. Essas foram as boas-vindas que recebeu ao chegar no Brasil, dadas por um policial em busca de traficantes na mata.
Maria cruzou a barreira da miséria com as próprias pernas. Pegou carona da Venezuela até a fronteira com Roraima. Entrou andando no Brasil. Um ano depois, já não podia se mover. Ao se prostituir, foi atacada a facadas por um homem. Perdeu parte dos movimentos.
Yeremi Acosta assistiu amigas abortarem por falta de comida. Celia Rosa tem quatro filhos e espera mais um. Para eles, o único alimento é uma papa feita de farinha e água. Karen Fonseca viu o primogênito da prima vir ao mundo já sem vida e recém-nascidos beberem água de arroz para sobreviver.
Todas fugiram do mesmo destino e representam centenas de outras vozes. São as novas filhas do Brasil: mulheres venezuelanas que buscaram refúgio no país devido à forte crise política, social e econômica instalada na terra onde nasceram.
Depois de viajar milhares de quilômetros sem comer e com bolsos vazios, não encontraram o acolhimento almejado. Estão em abrigos superlotados ou vivendo nas ruas de Roraima. Para elas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da Penha e a Constituição Federal brasileira não passam de palavras no papel. Assim como este 8 de março – Dia Internacional da Mulher.
A equipe de reportagem do Metrópoles percorreu cerca de 5 mil quilômetros entre o Brasil e a Venezuela para dar voz, rosto e nomes às mulheres refugiadas. Encontrou relatos de xenofobia, desnutrição, morte na maternidade, estupro, exploração sexual e violência física.
“NÃO EXISTE NENHUMA POLÍTICA DE GÊNERO PARA A CRISE DE IMIGRAÇÃO QUE VIVEMOS. MULHERES E CRIANÇAS SÃO 100% NEGLIGENCIADAS”
Jeane XaudAtivista de direitos humanos e defensora pública em Roraima
Ouvi-las é o primeiro passo para retirá-las da invisibilidade, já que muitas sequer registram as agressões sofridas. “Elas não conhecem seus direitos. Foram convencidas de que a vida delas não vale nada”, explica Vanessa Epifânio, coordenadora da organização humanitária Fraternidade Sem Fronteiras, local destinado a abrigar refugiados.
Roraima, divisa com a Venezuela, tornou-se o destino mais viável para 40 mil venezuelanos – dos quais 41,2% são mulheres, de acordo com a Polícia Federal. Por dia, há registro de 1,5 mil novos imigrantes no país.
A maioria entra sozinha pela fronteira, na cidade de Pacaraima, distante cerca de 200km da capital, Boa Vista. Entre os refugiados, há centenas de mulheres grávidas ou com filhos, a maior parte negras ou indígenas, que são, segundo a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), a parcela mais vulnerável desse contingente.
A ROTA DOS IMIGRANTES
Em busca de um porto seguro, elas permanecem desprotegidas em solo brasileiro. Roraima não apresenta estatísticas amigáveis às mulheres. É o estado com maior taxa de feminicídios no Brasil, conforme levantamento da ONG Human Rights Watch.
“A OMISSÃO COM IMIGRANTES VENEZUELANOS É CRIMINOSA. ESTAMOS GRITANDO POR AJUDA HÁ 3 ANOS”
Jeane XaudAtivista de direitos humanos e defensora pública em Roraima
Registrou-se um aumento de 139% nos casos de pessoas do sexo feminino assassinadas, entre 2010 e 2015, em Roraima. A taxa chegou a 11,4 homicídios a cada 100 mil mulheres. A média nacional, de 4,4, já é uma das mais elevadas do mundo, segundo a ONG.
“Vivenciamos uma nova era dessa violência com a questão da migração das venezuelanas. Muitas são exploradas na prostituição. É a vulnerabilidade dentro da vulnerabilidade”, afirma a defensora pública estadual do juizado de violência doméstica de Roraima, Jeane Xaud.
O estado também ocupa o 4º lugar no ranking das unidades da Federação com mais estupros: são 45,5 por 100 mil habitantes, anualmente. “Como afastar uma vítima do agressor se os dois estão refugiados no mesmo abrigo? Como cumprir uma medida protetiva? A lei não existe para essas mulheres”, denuncia Xaud, que acompanha de perto casos de violação de direitos.
Alguns dados ajudam a compreender o êxodo das mulheres refugiadas. A mortalidade infantil na Venezuela aumentou 30% entre 2015 e 2016. O número de mães que faleceram no parto cresceu 65% no mesmo período, pelos registros do Ministério da Saúde do país.
A Federação Médica Venezuelana afirmou que os hospitais funcionam com apenas 3% dos medicamentos e insumos necessários. É preciso mover-se para sobreviver. Nos relatos abaixo, estão os depoimentos de quem viveu essa situação.
COLAPSO NA MATERNIDADE
O número de partos na única maternidade de Boa Vista, no Hospital Nossa Senhora de Nazaré, aumentou 450% nos últimos três anos. Em 2015, foram 164 nascimentos de filhos de venezuelanas. Em 2017, tiveram mais 572 registros. A expectativa para 2018 é chegar a 630 atendimentos de grávidas do país vizinho, no mínimo. Esses dados refletem apenas os nascidos na capital. A cada quatro horas, uma venezuelana dá à luz no estado, segundo o governo de Roraima.
Até 2017, quase todas as gestantes da Venezuela vinham de cidades fronteiriças, em ambulâncias. A partir do último ano, porém, o perfil mudou: as mulheres vêm cada vez de mais longe, de cidades como Caracas (a 1.500km de Boa Vista), Maturín, El Tigre e outras. A maioria faz uma parte do trajeto de ônibus e outra de carona. Algumas chegam a caminhar 200km de Pacaraima até a capital roraimense, onde estão os abrigos.
“Antes, elas vinham, tinham o filho e voltavam para casa. Agora, não. São mulheres que migraram de vez para o Brasil”, explica o diretor-técnico da maternidade, o pediatra Luiz Gustavo Araújo da Silva.