Já aos que marcham do outro lado da cerca, o juiz perturba. Sem declarar em que time joga, acendeu luz vermelha para corredores individuais, daí os ensaios de uma equipe Ciro-Haddad. Barbosa assusta ao avançar sobre a simbologia da esquerda.
Numa frente, disputa a representação dos estratos inferiores por um seu igual. Lula se valeu da identidade de retirante, capaz de entender e exprimir anseios dos pobres. Com sua origem social baixa e ascensão pela educação —o diploma superior que o ex-presidente jamais adquiriu—, Barbosa tem capital para fazer dessa picada uma avenida.
O outro emblema poderoso é sua negritude. O juiz pode avançar onde Marina Silva titubeou e se lançar a representante da maioria étnica.
Está quieto no quesito, mas seu estilo lobo solitário ameaça a exclusividade de movimento negro e aliados brandirem a ação afirmativa. É o que se presume de sua reação à ativista da Negritude Socialista que tentava selfie conjunta. Negou a carona.
Sua exasperação marca uma distância em relação aos que já empreendem política em torno da pauta racial. Mas também ilustra como se pode ser exímio juiz e péssimo político.
Lula domina a arte de lidar com pessoas, da rodinha à multidão. Ausculta a pulsação coletiva antes de agir. Barbosa é técnico de gabinete, conhece mais dosimetria que empatia. Pode cair no precipício em cujas beiradas trafega Ciro Gomes e morrer pela boca.
Pesando isso, o juiz, como o animador de TV, pode avaliar que é tarde para novo ofício. Mas a mera cogitação de candidato negro à Presidência impacta o imaginário nacional.
Em papéis discrepantes de Nastácia e tio Barnabé, artistas vêm oferecendo modelos alternativos de comportamento para crianças negras. Mas a cultura brasileira sempre foi permeável, a hora do vamos ver é a do mando. E um presidente negro era até agora possibilidade fora do horizonte.
É que a desigualdade racial transcende o imaginário. Um marco de sua história aniversaria este maio. Lei curta e seca aboliu a escravidão. Depois a elite imperial distribuiu títulos de nobreza a ex-senhores, sem garantir direitos ou emprego a ex-escravos. Desde então, essa desigualdade se reproduz e estrutura as relações cotidianas e as estatísticas sociodemográficas.
Os negros são maioria em empregos de menor qualificação e salário, em prisões e favelas. E raríssimos em cargos de poder e dinheiro. Um presidente negro, apesar de capa e martelo, não esmagará essa Medusa, de muitas cabeças e o dobro de olhos envenenados. Mas pode bagunçar a República do Sítio do Pica Pau Amarelo se puser a questão na mesa, com a legitimidade que pele e biografia lhe conferem.
Combinando bandeira da direita —anticorrupção, que o PT já não pode empunhar— e símbolos da esquerda —defensor de pobres e oprimidos—, Barbosa chega forte ao páreo. Resta saber se país racista suportaria presidente negro.
No livro de Lobato, um negro chega à Casa Branca, mas jamais toma posse, ao passo que o Brasil de 2228 se dividiu em dois países: uma “república tropical”, com suas “convulsões”, e a “grande República do Paraná”.