Onde está a água no Brasil?
- By : Assessoria de Comunicação do Deputado Gonzaga Patriota
- Category : Clipping
Aos pés da estátua de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte (CE), a prece tenta alcançar as nuvens. Há quem reze, há quem apenas olhe. “Que o inverno seja rigoroso” é pedido uníssono, em diferentes sotaques nordestinos de olho no céu. A gente vem aqui para pedir chuva. Sem chuva, falta comida, falta tudo”, diz Maria Silva, de 77 anos, acompanhada da família, que mora na vizinha cidade do Barro. Nos primeiros meses do ano, é tempo de chuva (ou deveria ser). No entanto, nos últimos seis anos, nem mesmo as orações fizeram chover o necessário no sertão, o que aumentou a expectativa “no semiárido” para 2018. “É nossa esperança. Mas não sabemos. Tem que chover na cabeça do rio [Salgado]”, diz Cícero Gomes, 52 anos, agricultor da região. Ele visitava a colina onde está a estátua para admirar o horizonte (mais verde do que no final do ano passado).
Enquanto olham o horizonte, pingos de chuva caem. Não se protegem. O rio é, no caso, como a veia que leva água para açudes e barragens. Esses últimos são as artérias, que formam a Sub-Bacia do Salgado, a qual integra a do Jaguaribe, e forma a Bacia Atlântico Nordeste Oriental – uma das regiões hidrográficas do Brasil. Cada nuvem, cada chuva, faz diferença nessa história.
Ao todo, o território brasileiro é cortado por 12 regiões hidrográficas que orientam o planejamento e a gestão dos recursos hídricos. São elas: Amazônica, Tocantins Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, Atlântico Nordeste Oriental, do Paraguai, do Paraná, do Parnaíba, do São Francisco, do Atlântico Leste, do Atlântico Sudeste, Atlântico Sul e do Uruguai. Os redutos de água englobam diferentes unidades da Federação e, algumas vezes, também são divididos com outros países. As áreas estão mapeadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).
“Em um país com 12 regiões hidrográficas, tão difícil quanto gerenciar a escassez, é gerenciar a abundância”, diz Jefferson Nascimento de Oliveira, professor na área de recursos hídricos da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A sensação de abundância de recursos hídricos é reforçada pela presença de três das bacias hidrográficas que contêm o maior volume de água doce do mundo – Amazonas, São Francisco e Paraná.
Apesar de tantos recursos hídricos, eles não são igualmente distribuídos pelo território brasileiro. “Nós somos detentores de 12% da disponibilidade de água doce no mundo, mas essa água está em grande parte no Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Ainda assim, não temos água em abundância em regiões metropolitanas ou temos a água, mas ela não é de boa qualidade”, detalha o especialista.
Cenários distantes
Ao todo, 80% da água superficial do país estão na Região Hidrográfica Amazônica que, por sua vez, apresenta baixa densidade demográfica e pouca demanda para uso. Por outro lado, no Semiárido, mais de 24 milhões de habitantes, distribuídos por 1.133 municípios entre o norte de Minas Gerais e a Região Nordeste, enfrentam uma realidade distinta, com períodos críticos de prolongadas estiagens.
“Nós temos uma questão de escala, somos um país continental, com a maior disponibilidade hídrica. No entanto, descendo as escalas de região, estado e microbacias temos um contraste entre a disponibilidade e as demandas”, explica o coordenador de Hidráulica e Irrigação da Unesp, o engenheiro Fernando Braz Tangerino Hernandez.
Para o coordenador do relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos de 2017 e de Gestão da Informação da Agência Nacional de Águas (ANA), Alexandre Lima de Figueiredo Teixeira, a “falsa sensação” de abundância e conforto de água no Brasil é eliminada, justamente, ao se analisar a distribuição dos recursos hídricos no território nacional. “No Nordeste semiárido, temos uma área vulnerável pela baixa disponibilidade. No caso de bacias em regiões mais metropolitanas, além da maior demanda e disponibilidade, há a concentração urbana que gera uma alta poluição dos corpos de água, inviabilizando os mananciais para abastecimento. No Sul e Centro-Oeste, a demanda de água para irrigação é alta”, afirma.
A ideia é reforçada pelo geólogo e especialista em recursos hídricos da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ronaldo Mendes. “O cenário de contrastes exige cuidados especiais, organização e planejamento na gestão da utilização da água, tanto pelos governos quanto pela sociedade civil”, destaca. “Cada bacia hidrográfica tem sua capacidade de abastecimento e a utilização do recurso deve estar atenta a disponibilidade hídrica”, alerta.
Diante de um país tão rico em água doce, os desafios de gestão não estão espalhados de forma genérica por todo o território. O engenheiro e professor de Recursos Hídricos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Canedo, avalia que o semiárido nordestino, por exemplo, teve parte de seus problemas de escassez atualmente mitigados com a transposição do Rio São Francisco. Com relação à qualidade da água, no entanto, o especialista pondera que o Brasil está em uma situação bastante desagradável. “Boa parte dos recursos hídricos em áreas urbanas se perdem porque a água está em estado extremamente degradado. No interior, a água sofre uma degradação parcial, merece atenção, mas ainda não chega a ser calamitosa”, compara Canedo.
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