Guerra comercial EUA x China: como disputa pode atingir em cheio o Brasil
- By : Assessoria de Comunicação do Deputado Gonzaga Patriota
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A guerra comercial tem sido travada por China e Estados Unidos, mas os efeitos recaem sobre todos os países, inclusive o Brasil. Afinal, quando se trata das duas maiores economias do mundo, cada subida de tom, ameaça ou nova tarifa imposta a reverberação é sentida quase que imediatamente no mercado de ações, no comércio, e na sequência da cadeia, no bolso dos consumidores do mundo todo.
Nas últimas semanas, a tensão escalou. As últimas negociações entre os governos Donald Trump e Xi Jinping fracassaram e, no dia 10 de maio, os Estados Unidos subiram de 10% para 25% a tarifa de importação sobre cerca de mil produtos chineses, entre os quais cereais, químicos, combustíveis e materiais de construção. Estima-se que a medida tenha impacto em US$ 200 bilhões em mercadorias comercializadas entre os dois países.
A China retaliou: impôs o mesmo percentual sobre produtos agrícolas e maquinário americano.
Outro golpe recente dos EUA à China foi a decisão de barrar empresas americanas de comercializarem com a gigante de tecnologia chinesa Huawei, que compete diretamente com a Apple e a sul-coreana Samsung em smartphones e tecnologia 5G.
Para cumprir com a ordem do governo Trump, o Google baniu suporte técnico, serviços e aplicativos nos novos aparelhos da Huawei.
Segundo especialistas, o prolongamento da crise preocupa porque pode provocar uma desaceleração do comércio mundial, causando perdas econômicas para todos os países. Mas, a curto prazo, há vantagens a serem exploradas e alguns países estão efetivamente lucrando com a disputa. É o caso do Brasil.
Em 2018, primeiro ano da guerra comercial, as exportações brasileiras para a China cresceram 35% na comparação com 2017, gerando uma balança comercial positiva para o Brasil em US$ 30 bilhões. A explicação para isso é simples. Com a imposição de tarifas, fica mais caro para a China comprar produtos dos EUA, e para os americanos comprarem produtos chineses. Os dois países precisam, então, procurar outros fornecedores para evitar o encarecimento das importações.
Não é a toa que o vice-presidente Hamilton Mourão desembarcou no dia 19 de maio em Pequim. De olho no investimento chinês e na possibilidade de ampliar a gama de bens vendidos pelo Brasil, ele se reuniu com o vice-presidente chinês, empresários e banqueiros.
Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, por enquanto o setor brasileiro mais beneficiado com a disputa comercial foi o agronegócio. Também houve aumento no comércio brasileiro com os EUA, mas ainda não está claro, segundo a CNI, se a guerra comercial teve influência.
“No curto prazo, o Brasil ganha. Mas é uma boa notícia com efeito limitado”, disse à BBC News Brasil Christopher Garman, diretor do departamento de América Latina da Eurasia Group, especializada em avaliação de risco.
“O Fundo Monetário Internacional já alertou que o crescimento global sofre com a escalada de tarifas e, se tivermos um acirramento dessa disputa, poderemos ter uma desaceleração da economia a nível internacional. Portanto, a médio e longo prazo há impactos negativos”.
Com ajuda de especialistas e representantes de setores produtivos, a BBC News Brasil identificou duas oportunidades e três riscos que a guerra comercial entre China e EUA pode trazer para o Brasil.
Exportação de produtos agrícolas para a China
Produtos agrícolas americanos foram os mais afetados pela alta nas tarifas impostas pela China, principalmente soja, amêndoas, maçãs, laranjas e carnes. Para substituir essas commodities que ficaram mais caras, o gigante asiático se voltou para outros fornecedores de carnes, frutas e grãos.
O Brasil como terceiro maior exportador agrícola- atrás apenas de Estados Unidos e União Europeia- é um substituto natural.
Uma pesquisa feita pela CNI comparou produtos americanos taxados pela China e pelos EUA com o comércio desses bens pelo Brasil. O resultado mostra que alguns setores produtivos brasileiros aumentaram suas vendas em decorrência da guerra comercial.
“O que a gente vê é um aproveitamento de oportunidades pelo produtor brasileiro, sobretudo na venda de produtos agrícolas para o mercado chinês”, disse à BBC News Brasil o gerente de Negociações Internacionais da CNI, Fabrizio Panzini.
A produção de soja foi a maior beneficiada pelo comércio recorde entre Brasil e China em 2018, vendendo US$ 7 bilhões a mais para os chineses de um ano para outro. Outros setores que cresceram foram o de carne bovina (US$ 557 milhões a mais), algodão (US$ 358 milhões) e carne suína (US$ 202 milhões).
“A conclusão que a gente chega é que os efeitos dessa guerra comercial para o Brasil até o momento, no curto prazo, foi positivo”, destaca Panzini.
O ‘quase acordo’ que prejudicaria o Brasil
Antes de as tarifas mais recentes serem anunciadas, Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, tentaram negociar um acordo que previa um compromisso da China de comprar produtos agrícolas americanos.
Se esse entendimento entrasse em vigor, o Brasil sairia perdendo, já que a os chineses importam cerca de 30% dos alimentos produzidos pelo nosso país. Mas, segundo Trump, de última hora a China modificou os termos do acordo, e o americano decidiu elevar ainda mais as tarifas sobre produtos chineses.
“A expectativa era que, com um acordo comercial mais abrangente entre China e EUA, o setor exportador brasileiro pudesse sofrer, particularmente porque um dos benefícios que os chineses ofereciam para os americanos era comprar mais produtos dos Estados Unidos, inclusive agrícolas”, diz Garman, da Eurasia Group.
Assim, a escalada da crise, num primeiro momento, evitou uma perda comercial significativa para o agronegócio brasileiro.
Exportação de manufaturados
Outro setor da economia brasileira que poderia se beneficiar da guerra comercial, num primeiro momento, é o de manufaturados. Mas, neste caso, a disputa entre EUA e China é uma guerra de dois gumes.
Por um lado, o Brasil pode aproveitar a oportunidade para tentar ampliar as vendas de bens industrializados para os EUA, como máquinas e autopeças, aproveitando que esses mesmos produtos fabricados na China ficaram mais caros.
Por outro, a China pode tentar empurrar para o Brasil os produtos que não conseguiu vender para os EUA. Se fizer isso, a produção brasileira de manufaturados pode sofrer com a competição provocada pela inundação de produtos chineses.
“A dificuldade de acesso ao mercado americano faz com que a China busque outros mercados para o que produz. E ela pode acabar embarcando seus produtos para outras economias, como o Brasil, diminuindo o preço desses bens e impactando a economia aqui”, diz Panzini.
Por enquanto, houve um aumento das exportações brasileiras de manufaturados para os EUA de US$ 1,2 bilhão em 2018 na comparação com 2017, mas focado no setor de combustíveis. Ou seja, a indústria brasileira, por enquanto, ainda não conseguiu ocupar o vácuo deixado pelos bens chineses sobretaxados.
“O setor privado precisa estar atento, porque foram elevadas tarifas sobre produtos manufaturados da China que a gente também produz, como alguns químicos, máquinas e autopeças. Esses setores poderiam aproveitar para exportar para os Estados Unidos”, destaca o gerente de negócios internacionais da CNI.
Ele destaca, porém, que a competição para exportar esses produtos para os EUA é mais acirrada que no caso do setor agrícola e países como Coreia do Sul e México levam vantagem por já terem acordos de livre comércio com o governo americano.
Imprevisibilidade
Um aspecto da guerra comercial que preocupa é a imprevisibilidade. Se por um lado a indústria brasileira pode lucrar se investir na venda para China e EUA, essa aposta não deixa de ser arriscada.
Um exemplo: uma empresa de autopeças pode aumentar sua produção e destinar recursos para exportar seus produtos para os EUA. Se a disputa comercial com a China continuar, é possível que ela consiga ocupar espaço no mercado americano.
Agora, e se Xi Jinping e Trump trocarem apertos de mãos e decidirem suspender as tarifas? O investimento terá se perdido.
“A empresa pode se preparar, mobilizar recursos e funcionários, e direcionar o estoque para exportação. Mas não há prazo certo para a continuidade dessa guerra comercial. Ela pode acabar hoje ou continuar por anos”, lembra Panzini, da CNI.
Desaquecimento da economia
A consequência mais temida da disputa entre EUA e China é uma desaceleração econômica a nível mundial – ou seja uma redução do consumo em vários mercados e do comércio entre países, a ponto de afetar o crescimento econômico em escala global no médio prazo.
“Se a guerra comercial se prolongar, com alta de tarifas sobre bens e serviços, é possível que tenhamos uma recessão em escala global, com retração do PIB em vários países, principalmente dos mais alinhados com a China e os Estados Unidos”, disse à BBC News Brasil o professor James F. Downes, professor de política comparada da Universidade Chinesa de Hong Kong (The Chinese University of Hong Kong).
“Países em desenvolvimento da África, sudeste da Ásia e América Latina são os com maior risco de serem economicamente afetados.”
Diego Sánchez-Ancochea, professor de Política Econômica e Desenvolvimento da Universidade de Oxford, também destaca que, se a guerra comercial desaquecer a economia a nível mundial, o preço das commodities (produtos primários, como alimentos, metais e óleo bruto) pode cair.
Os produtos básicos responderam por 49% das exportações do Brasil em 2018. Ou seja, uma queda de preços traria consequências graves para o país.
“Se o comércio entre Estados Unidos e China for severamente afetado, haverá deslocamento das cadeias de produção de eletrônics, roupas e outros bens manufaturados, assim como um aumento da incerteza econômica”, diz Sánchez-Ancochea.
“Esse tipo de ambiente favorece um desaquecimento da economia mundial. Como resultado, a demanda e o preço das commodities podem sofrer. Sabemos bem que a América Latina tem grande dificuldade para crescer quando os preços dos produtos primários estão baixos”, diz ele, lembrando que os períodos de crescimento econômico no Brasil coincidem com épocas de boom no preço das commodities.
Pressões para tomar partido
Tanto a China quanto os Estados Unidos tem peso crucial na economia brasileira, portanto, tomar partido nessa disputa não seria uma opção inteligente, avaliam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Por enquanto, embora o presidente Jair Bolsonaro esteja se aproximando fortemente do governo Trump e, no passado recente, tenha feito duras críticas à China, acusando-a de tentar “comprar o Brasil”, nos últimos meses o governo parece se esforçar para manter boas relações com ambos os países.
Exemplos disso são a viagem desta semana de Mourão à China e a intenção de Bolsonaro de visitar o país asiático no segundo semestre.
Até o momento, o Brasil não foi instado a se comprometer com um lado ou outro, embora Christopher Garman, da Eurasia Group, afirme que há uma possibilidade de Trump tentar pressionar o governo brasileiro a evitar a compra de produtos da Huawei.
Neste caso, o principal argumento dos EUA em tentar banir a empresa chinesa dos mercados ocidentais é o de que a companhia poderia ser usada pelo governo da China para espionagem.
“O Brasil pode vir a sofrer pressões do governo Trump no setor de telecomunicações, para optar por tecnologia de empresas europeias e americanas. Mas o governo provavelmente vai querer manter as portas abertas para a Huawei, evitando comprar briga com a China”, diz Garman.
Pela ótica econômica, a China tem peso maior que os EUA. É nosso principal parceiro comercial e o saldo da balança é positivo para Brasil – em quase US$ 30 bilhões em 2018.
Já no comércio com os EUA a balança foi deficitária para o Brasil no ano passado. Ou seja, estamos importando mais que exportando para os americanos.
“Não importa a retórica populista que Bolsonaro use para seus eleitores, a realidade econômica é que Brasil precisa da China e de seus investimentos econômicos. Seria tolice continuar com a postura anti-China”, diz James F. Downes, da Universidade Chinesa de Hong Kong.
“A melhor estratégia é a do meio-termo: manter alianças econômicas tanto com a China quanto com os Estados Unidos”.