Ô biguzinho filho da puta
- By : Assessoria de Comunicação do Deputado Gonzaga Patriota
- Category : Clipping
Quando as primeiras luzes no Palácio do Campo das Princesas foram acesas no início da noite de 31 de março de 1964, o clima era de incontida apreensão. Na sede do governo estadual de Pernambuco, situado às margens do rio Capibaribe, no centro urbano do Recife, todos que lá estavam sabiam que a situação ficara insustentável.
Os apoios políticos do revolucionário líder das Ligas Camponeses, Francisco Julião, e o decantado esquema militar do presidente Goulart revelavam-se vazios ou inexistentes. Solitário, cercado apenas por dois ou três amigos e pelo grupo de militares que viera com a missão de afastá-lo do governo ou prendê-lo, o governador Miguel Arraes de Alencar liberou seus auxiliares que ainda permaneciam na sede do governo.
O jornalista Alexandrino Rocha, assessor de Imprensa do governador, também sabia não haver outra saída, além das portas do Palácio. Apreensivo, pegou seu automóvel e tomou o rumo de casa. No caminho em meio ao tumulto da cidade avistou um vizinho e lhe ofereceu bigu. Antes de mais nada, é preciso esclarecer que, no Nordeste, bigu é sinônimo de carona. Seria corruptela da expressão “be good”, usada pelos militares americanos aquartelados em Natal (RN), durante a II Guerra Mundial.
Agradecido diante da dificuldade de transporte, o vizinho – um médico excêntrico que Alexandrino conhecia de bons-dias e boas-noites – acomodou-se no banco do carona e começou a contar casos de inúmeras prisões e de outros tantos espancamentos que estavam ocorrendo.
As histórias eram reais, como eles comprovariam minutos depois.
Mal estacionara em frente à sua casa, Alexandrino foi cercado por policiais e recebeu voz de prisão. O médico tropeçando nas próprias pernas saltou do carro, desequilibrou-se e tentou segurar-se a um agente policial reconhecendo de imediato a gravidade do gesto e da situação:
– Tás reagindo à prisão cabra safado… – disse-lhe o policial, acrescentando à frase sonoro bofetão.
Conduzidos à Secretaria de Segurança Pública, o jornalista foi encaminhado às autoridades do IV Exército, enquanto o médico era colocado num comprido banco de madeira já ocupado por um grupo de camponeses presos no Interior do Estado. Imediatamente chegou uma patrulha do Exército com o comandante indagando pelos subversivos. Levou todos: os camponeses e o médico.
A noite já era madrugada quando o dr. Antero – era este o nome dele – viu-se dentro de uma cela junto a outros senhores. Afinal pôde constatar que fora preso como comunista e levado a um quartel na cidade vizinha de Olinda.
A ele restou passar as quatro ou cinco noites e dias que se seguiram, repetindo a frase que ecoava pela prisão, irritando o mais passivo dos companheiros:
– Ô biguzinho filho da puta! Ô biguzinho filho da puta!
Quase uma semana depois aconteceriam mudanças no comando do quartel. O comandante havia sido nomeado para outras funções e como é de praxe, os presos seriam identificados burocraticamente. Todos presentes, chamada feita, restou um cidadão de branco, roupas já sujassem desalinho:
– E o senhor aí, o que está fazendo em meu quartel? – quis saber o novo comandante.
Vexame explicado, o intruso foi literalmente expulso do quartel. Contra ele, disseram, nada constava. E era melhor sair logo dali. Já na calçada, sujo e barba de uma semana, sem tostão no bolso, dr. Antero passou a caminhar repetindo monotonamente.
– Ô biguzinho filha da puta… Ô biguzinho…
Já no final da Rua do Sol, um volks amarelo emparelou com ele, o motorista colocou a cabeçla fora da foira, reconheceu o caminhante:
– Dr. Antero, vai para onde? Quer um bigu?
E Dr. Antero, aos gritos:
– Vá oferecer seu bigu à PQP…